" A BENGALA"

“A BENGALA”

Adelaide está viúva e muito solitária; com os quatro filhos, já casados, não suporta viver sozinha e, assim, passa a conversar, o dia todo, consigo mesmo...

__Mãe, por que, ao invés de falar sozinha,não procura suas amigas do Ginásio e da Faculdade e as convida para saírem juntas, tomar um, chá, ir ao cinema, enfim em algum lugar onde possam conversar e botar os papos em dia...

__ Preciso, mesmo, filha, você me ajuda?

__ Claro! Vamos pegar a agenda e fazer os contatos __ Alice pega a agenda na mesinha do telefone...

__ Mas aqui, só tem os telefones de dois mil para cá; onde estão suas amigas, mãe? Eu era pequena, mas me lembro de algumas que eram muito queridas pra você: a Jorgina, a Lívia, a Helena... Você as esqueceu?

__Ah, filha! Com o casamento, a casa, filhos pequenos pra cuidar e educar, agente se esquece de nós, mesmo; mas tenho uma agenda mais antiga, vou pegar...

Depois de ligarem, em vão, para os telefones antigos perceberam ser impossível localizá-las..

__ Mãe, a solução, é fazer caminhadas; com isso, fará novos conhecimentos...

__ Alice, promete não zombar de mim, se eu lhe falar uma coisa?

__ Prometo, mãe... fale...

__ Tenho vergonha...

__ Somos amigas, mãe, fale...

__ Você sabe como eu e seu pai nos amávamos...

__ Sim... eu sei.

__ Então, ele foi o único homem da minha vida; era gentil, amoroso ótimo pai, um astral maravilhoso e eu agradeço a Deus, todos os dias, pelos filhos que me deu...

__ Mãe, tudo isso, eu já sei... mas fale logo, já está me deixando nervosa...

__ E também, que foi motivo de orgulho para todos nós, não foi?

__ Foi... só falta falar por que se envergonha...

__ Você é testemunha de que eu sempre amei seu pai...

__ Mãeeeee, fale, logo, está me enrolando! Assim, vou embora...

__ Eu queria arranjar um... companheiro...Pronto falei!!!

__ E por que essa enrolação toda?

__ Com a minha idade, será que posso namorar, sem parecer ridícula?

__ Ridícula? Ó mãe, que bobagem... claro que pode! A senhora é bonita, pode conhecer um senhor mais ou menos da sua idade, que seja de boa aparência, distinto, bom companheiro. Assim, não ficará mais sozinha, mas mãe, não vá se entregando logo, sem conhecê-lo bem, pergunte tudo sobre ele, arranque tudo que puder, para não se arrepender depois...

__ Entendi, Alice, amanhã mesmo, vou começar! Deseje-me sorte, filha!

__ Vai com Deus, mãe, não esqueça sua companheira...

__ Claro...

Pela manhã, Adelaide saiu de casa, confiante, feliz, o dia estava lindo! O sol respingava seus raios por entre os galhos das árvores da pracinha, onde as pessoas caminhavam, a maioria, idosos. Deus as primeiras voltas, lentamente e, cansada, sentou-se no banco da praça e ficou pensando: se não fosse essa artrose nos meus joelhos, provavelmente, eu poderia dar umas dez voltas mas, com o tempo, eu chego lá...amanhã

ando mais um pouco e assim vou me acostumando...

......... __ Bom dia, senhora! Cumprimentou-a um senhor que passava lentamente, com uma bengala bem gasta, pelo tempo.

__ Bom dia... respondeu.

O homem andou uns poucos passos, voltou-se e olhou-a, languidamente... seus olhos eram claros, uma calvície já acentuada...

Nos dias subseqüentes, os olhares do homem se intensificavam cada vez mais. Adelaide, intrigada, se perguntava: por que será que ele não fala? Sinto que quer falar, mas não tem coragem, deve ser muito tímido...

Em casa, com Alice, narrando-lhe o que ocorria, perguntou, para a flha:

__ O que faço? O homem olha, olha e nada diz!

__ Mãe, domine um pouco a sua timidez e, quando ele passar, dê-lhe um bom dia, com o melhor dos sorrisos. Quem sabe, ele se anima e lhe dirige a palavra?...

__ Boa idéia, vou tentar...

Dia seguinte, na praça:

__ Bom dia, senhor! O tempo está mudando, acho que vai chover à tarde, o senhor não acha?

__ Bom dia! Acho que sim, o tempo ... Ah! eu queria, mesmo, falar com a senhora...

__ Pois não, o que é?

__ Se não fosse incômodo, a Sra. poderia me dizer onde comprou a sua bengala? Há muito que a venho namorando...

Adelaide, decepcionada, respondeu-lhe:

__ Ah, não sei! Ganhei do meu filho... E levantou-se sem se despedir.

Em casa: __ Que decepção, filha... (quase chorando) Ele estava namorando a minha bengala!!! Alice não conteve o riso, mas não quis desanimar a mãe:

__ Não desista, mãe, leve amanhã, o endereço da loja... Quem sabe ele se abre mais?...

E assim Adelaide o fez...

__Bom dia! Trouxe- lhe o que o senhor pediu, o endereço da bengala...

__ Ah, sim, muito obrigado! Vou sair, hoje mesmo, com a minha patroa, para comprá-la...outra coisa, a Sra. sabe, mais ou menos, quanto custou?

__ Aí, o senhor já quer saber demais...

__ Desculpe... é que a patroa é muito exigente, tudo ela quer saber...

__ Eu tive sorte, meu casamento foi maravilhoso, vivemos trinta e cinco anos casados...

__ E eu já casei três vezes: a primeira me chifrou; a segunda, eu chifrei, aí, nós brigamos, ela me empurrou pela escada abaixo e quebrei a perna; é por isso, que eu uso a bengala...

__ E a terceira? A atual que é exigente, é boa esposa?

__ Mais ou menos... mas se ela, me vir aqui, conversando com a senhora, me mata!!!

Tete Brito
Enviado por Tete Brito em 21/08/2011
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