Não sobrou nada, Helena!
Naquela manhã de agosto, a Sra.B.Leoni não quis levantar, resolveu ficar na cama, até o momento em que alguém notasse sua ausência e viesse a sua procura, afinal, ela era uma viúva que perdera o filho recentemente, era digna de pena! A Sra.B.Leoni tem certa dificuldade em levantar, em se locomover, isso graças a um infarto que lhe deixara seqüelas. A Sra.B.Leoni já foi muito rica, “uma casa enorme, carros, jóias...” gaba-se ela, sempre assim, sorrindo, até o momento em que conta como perdeu tudo, repentinamente, a perda seguida da mudança e as dificuldades de adaptação no subúrbio. A Sra.B.Leoni adora contar suas desgraças a todos, ela tem essa necessidade em fazer-se de vitima, em esfregar na cara que devem ajudá-la. Também tem a mania de chorar, chora à toa, como um espirro, um choro infantil, berrante, que não pode ser chamado de choro, parecem gemidos em árabe, é de acabar com o dia de qualquer um, é caótica a imagem da velha (desculpem) chorando como um bebê. Não há como ajudar, não, é impossível ajudar a Sra.B.Leoni. No velório de seu filho, as despesas foram pagas por sua família. Um ótimo caixão, um velório digno de príncipe, gaba-se ela. E assim foi o velório, caro, ‘digno’, os melhores carros, abraços, beijos, condolências, homenagens e demonstrações de amor. Uma palhaçada, sim, uma grande palhaçada, porque agora? Digo, a Sra.B.Leoni e seu filho foram jogados em um buraco no subúrbio, em uma atitude “se vira!”, onde estiveram esse tempo todo? Porque nunca ajudar, porque nunca visitar? Seu filho morreu em um hospital público, justamente porque não se importaram, afinal, tinham seus próprios problemas, coisas mais importantes. De certa forma, eles jogaram toda a responsabilidade, todos os cuidados, e por fim, toda a culpa da morte de seu filho na Sra.B.Leoni, e logo em seguida, para compensar, para suprir toda a ausência, lhe deram dinheiro, tome, compre isso, e aquilo. Durante o velório a Sra.B.Leoni foi abraçada, beijada, amada, mas até o fim. Pronto acabou? Sim, acabou, o corpo foi enterrado, não tiveram o trabalho de levá-la em casa, passaram a tarefa para um casal de vizinhos. A Sra.B.Leoni voltou para casa em uma lata velha lotada. E por aí ficou, deram amor suficiente, e fora isso pagaram todas as despesas, tá ótimo, ela não tem o que reclamar. Pronto, ela voltou pro buraco, sem o filho, voltando à antiga rotina vazia, a família não liga, assim como antes, não visitam, assim como antes. Não sobrou nada para a Sra.B.Leoni, agora ela depende de todos aqueles que tanto desprezou, desprezou sem fazer questão de esconder, e agora tem de enfrentar tamanha humilhação. Impediu todos os relacionamentos do falecido filho, portanto, não houve netos, não houve nada. Realmente, não sobrou nada Sra.B.Leoni, a não ser a infinita porém temporária espera do fim, da morte que ela tanto teme. Seus medos tornaram-se sua única possível porta de saída.