Ela sempre tivera curiosidade em saber como era aquela tal “sala de bate-papo” na Internet, que suas amigas tanto falavam.

 

Pelo jeito devia ser muito divertida. Além disso, ouvia dizer que muitas pessoas já haviam encontrado sua “alma gêmea” numa daquelas salas. Quem sabe não encontraria ali também um grande amor?

 

Pensando assim, pediu a uma amiga que a ensinasse, e logo já estava dominando, perfeitamente, toda técnica de uma sala de bate-papo.

 

Como digitava rapidamente, não teve problema em estabelecer uma conversação virtual e logo estava viciada naquele mundo de fantasia.

 

Não via a hora de chegar a noite para entrar na Internet e conversar com pessoas de todos os cantos do Brasil e do mundo.

 

Aos poucos, os amigos virtuais passaram a receber mais atenção que os reais.

 

Um dia, quando menos esperava, apareceu na sala, “Uomo di Parola” (Homem de Palavra). O nick a seduziu de imediato.

 

Ele identificou-se como italiano de Milão, que era homem de palavra, que não sabia nada de Português, e que gostaria de conhecer uma brasileira que falasse sua língua.

 

Naquela sala era a única a falar italiano e por isso o entendimento entre os dois aconteceu no mesmo instante. Da sala de bate-papo para o MSN foi um pulo.

 

E daquele dia em diante passou a conversar somente com ele. Foi paixão à primeira teclada e confidências compartilhadas. Ela, secretária executiva de uma grande empresa multinacional, e ele fabricante de colchões, com uma distribuidora em Milão.

 

Daí para frente... Bem, daí para frente as confidências foram ficando cada vez mais íntimas e a paixão seguindo no mesmo ritmo.

 

 Pensava em seu “Uomo di Parola” vinte e quatro horas por dia e, com isso, se distraia e cometia pequenos deslizes em suas obrigações na empresa onde trabalhava.

 

Ela, que antes era uma secretária executiva eficiente, estava agora deixando muito a desejar. Negligenciava o trabalho e passava a maior parte do tempo como se estivesse aérea.

 

Ansiava pela chegada da noite só para falar com seu príncipe encantado. Era a “Seduttrice” (Sedutora) feliz que ia ao encontro de “Uomo di Parola”!

 

As horas de Internet foram se estendendo cada vez mais e mais e as noites ficando muito pequenas para conter aquela paixão.

 

Trocaram fotos. Ela bonita, elegante! Ele, fantasiado de palhaço, irradiava alegria.

Apenas escrever, já não era o suficiente. Precisava ouvir a voz um do outro! Daí para o telefone foi um pulo.

 

A princípio, uma ligação nos finais de semana. Depois, ligações diárias e, às vezes, até para seu trabalho. A paixão ia ficando cada vez mais intensa e descontrolada.

Decidiram casar-se virtualmente e assim o fizeram.

 

Para “Seduttrice” seu sonho estava realizado! Não tinha mais dúvidas. Encontrara o grande amor de sua vida!

 

Um dia ele ligou e disse que já não agüentava mais aquela situação. Viria ao Brasil para buscá-la e levá-la com ele. Queria-a ao seu lado para sempre.

 

Ficou sem saber o que dizer. A emoção era grande demais. Já podia imaginar o encontro dos dois... Ele, todo elegante, bonito, descendo do avião e vindo correndo ao seu encontro. Seria como num conto de fadas!

 

Comunicou à família e falou para todas as amigas. O entusiasmo foi geral!

 

Ele não era um enganador, como muitos falavam. Muito menos um aproveitador.

 

Tudo fora acertado. Reservaria um apartamento num hotel bem próximo de sua casa, como ele havia pedido.

 

Estava eufórica! As amigas também estavam ansiosas para conhecê-lo. Afinal, foram elas a incentivá-la a entrar numa sala de bate-papo. Estavam loucas para ver o desenlace do romance de sua amiga “Seduttrice” com “Uomo di Parola”.

 

Se um romance tão maravilhoso estava acontecendo com sua amiga o mesmo poderia acontecer com elas também, pensavam.

 

“Seduttrice”, só de pensar no encontro dos dois, ficava excitadíssima!

 

Finalmente o dia tão esperado chegou! Seu “Uomo di Parola” já estava num dos vôos para o Brasil!

 

No palco de sua mente as cenas mais românticas passavam e repassavam.

 

A todo momento olhava para o relógio, cujos ponteiros pareciam lentos demais na marcação do tempo.

 

Quando ia checar o horário do vôo de chegada à sua cidade, o telefone tocou. Era ele dizendo que já estava em São Paulo e que, de lá para sua cidade iria de ônibus!

Estava todo eufórico! Deu-lhe detalhes sobre a viação escolhida, sobre o possível horário de chegada e desligou.

 

Ao ouvi-lo dizer que “iria de ônibus”, não conseguiu esconder uma pontinha de decepção. Não havia imaginado aquela cena. Teve que refazer tudo em sua mente.

 

Desmontou o palco imaginário e o montou novamente com novas cenas, mas ainda visualizando seu “Uomo di Parola”, elegante e bonito.

 

O tempo que os separava agora era que quatro horas, mais ou menos!

 

Pensou em dormir um pouco antes de sua chegada, mas não conseguiu.

 

Havia falado para as amigas que queria estar sozinha quando ele chegasse e não queria ninguém por perto. Apesar da grande curiosidade, todas concordaram com ela.

 

Continuava olhando para o relógio a todo o momento. As horas pareciam se arrastar sem nenhuma pressa e o mesmo faziam os minutos e os segundos.

 

Decidiu ir esperá-lo bem antes do horário previsto da chegada do ônibus.

 

Pegou o carro e lá se foi. Entrou na avenida... O trânsito estava intenso.

 

De repente... do nada o carro parou! Apavorou-se. Tentou dar partida novamente, mas nada. Olhou para o medidor do combustível... Normal. Começaram a buzinar atrás dela, com insistência. Apavorou-se mais. E agora? Lembrou-se do celular. Abriu a bolsa para pegá-lo... Não estava na bolsa. Os carros, aos poucos, foram desviando e seguindo adiante.

 

Todos pareciam apressados e ninguém disposto a ajudá-la. As horas, que antes se arrastavam, agora pareciam voar.

 

Sentia que ia perder o controle da situação. Desceu do carro e, desesperadamente, começou a acenar com a mão pedindo socorro. Mas, naquela avenida de pista rápida, ninguém parecia ter vontade de parar para socorrer alguém.

 

Por milagre, um carro da polícia rodoviária apareceu, parou e foi verificar o que estava acontecendo. Sem conseguir resolver o problema, chamaram um guincho e o carro foi rebocado até a oficina de seu mecânico, que prontamente a atendeu.

 

Olhou de novo para o relógio. O ônibus devia estar chegando, se nada tivesse acontecido de errado com ele também.

 

Minutos depois, com o problema do carro resolvido, foi voando para a rodoviária e, com certa dificuldade, conseguiu encontrar uma vaga para estacionar.

 

Subiu correndo as escadas em direção ao número da plataforma indicada e começou a procurar seu “Uomo di Parola”. Não conseguiu ver nenhum homem elegante entre as pessoas que lá estavam. Onde estaria ele?

 

De repente, com uma latinha de cerveja na mão, ao lado de uma mochila, olhando curioso para ela, um quarentão careca, baixo, barrigudo, de calça jeans, camiseta desbotada e tênis, lhe sorriu. Não!!! Não podia ser! Aquele não podia ser seu “Uomo di Parola”. Mas era! Ele a reconheceu e veio em sua direção.

 

Ela teve a sensação de que ia desmaiar. Não estava preparada para aquela aparência grotesca. Afinal sempre o idealizara alto, elegante, bonito e o que via à sua frente era o oposto de tudo que imaginara. E, para piorar sua decepção, quando ele abriu a boca para conversar com ela, viu que lhe faltavam alguns dentes. A sensação que teve foi de horror! Pensou em fugir dali, mas era tarde demais!

 

Como apresentar aquele ser, para sua família? E suas amigas, que diriam ao vê-lo?

 

Pensou estar tendo um pesadelo, mas não. Tudo era muito real.  Ele continuava ali à sua frente, com olhar apaixonado, mas ao mesmo tempo tímido, diante de sua elegância. O contraste entre os dois era bem visível.

 

Por fim, resignada, abraçou-o de maneira formal e foram para o carro.

 

Levou-o até o hotel e o deixou lá para que descansasse da longa viagem. Voltou sozinha para casa. Tinha que preparar a família e as amigas para que não tivessem a mesma surpresa desagradável que tivera.

 

A noite foi de insônia total. Sentia dentro de si um vazio imenso.

 

Aquela paixão louca que sentia por ele dera lugar àquela sensação de desconforto que estava sentindo agora.

 

Contudo, sabia que devia tratá-lo bem. Afinal de contas, ele acabava de chegar da Itália, não conhecia nada de seu país, não falava Português e estava ali por sua causa. Precisava disfarçar seu desapontamento e fingir, pelo menos, enquanto estivesse ao seu lado.

 

Pensando assim foi buscá-lo no outro dia para apresentá-lo à sua família e às amigas.

 

E o que imaginava que seria constrangedor revelou-se o contrário. Uma das amigas, cujo marido também era italiano, gostou tanto de sua maneira simples e autêntica, que se ofereceu para hospedá-lo em sua casa. Desse modo, disse ela, o marido podia matar a saudade de falar sua língua nativa.

 

Depois de alguma insistência, ele aceitou o convite e foi se hospedar na casa da amiga. A sintonia com o conterrâneo foi perfeita e, aos poucos, com seu jeito simples, foi conquistando a todos.

 

“Seduttrice”, mesmo sem ficar à vontade ao seu lado, continuou fingindo.

 

Um mês depois lá se foi ele de volta para a Itália... sozinho!

 

Na partida a abraçou e chorou em seu ombro. Sentia que o encanto virtual que ela sentia antes por ele, fora quebrado. Voltou triste.

 

Ao chegar à Itália ligou pra ela e ouviu dela o mais amargo desabafo.  Ela disse-lhe que o imaginava diferente, que não gostava de sua maneira relaxada de se vestir, de beber, de fumar, que detestava fumantes e beberrões e que a ideia que tivera dele, ao conhecê-lo pessoalmente, fora aquela. Disse mais... que seus dentes estavam horríveis com todas aquelas falhas e não sentira nenhuma vontade de beijá-lo. Desabafou sem piedade. Disse que depois daquele encontro só havia um grande vazio dento dela, que nada mais tinha graça, que não iria ligar mais o computador e nem queria que ele voltasse a lhe telefonar.

 

Ele então jurou que não era um alcoólatra e que só bebera daquele jeito, quando estava na sua cidade, porque sentia um calor insuportável e a cerveja era gostosa e fraquinha. Disse que estava mais apaixonado que nunca e tudo faria para reconquistá-la. Disse que pararia de fumar, faria um implante de dentes e que passaria a cuidar mais de sua aparência. Ela se comoveu, mas não deixou transparecer.

 

Seu rendimento na empresa continuou decrescendo até que ficou insustentável e foi dispensada.

 

Sem aquela paixão que alimentasse sua alma e sem o emprego, a situação piorou. Os meses foram passando e nada de encontrar novo emprego. E o tempo passou...

 

Um dia, quando menos esperava, recebeu um telefonema da Itália. Era seu ex-“Uomo di Parola” que lhe dizia que cumprira o prometido. Fizera um implante de dentes, havia parado de fumar, entrara numa academia para diminuir a barriga e estava cuidando bem de sua aparência. Tudo em nome da paixão que sentia por ela. Implorou para que fosse para a Itália viver com ele.

 

Curiosa e sem perspectiva de emprego, juntou as economias que tinha, vendeu o carro e foi pra Itália.

 

Surpreendeu-se com sua transformação. Realmente parecia outro agora! Entusiasmou-se novamente!

 

Ele, a todo o momento, a abraçava e a beijava apaixonadamente diante de todos. Dizia que devia a ela aquela transformação em sua vida. Estava muito feliz!

 

Levou-a para conhecer as principais cidades turísticas da Itália, dedicando-lhe atenção total e desmedido carinho.

 

A paixão voltou a dominá-la e decidiu ficar por lá e viver com ele.

 

Nem a família, nem as amigas, pareciam acreditar naquela história.

 

Só acreditaram mesmo, quando um ano depois, ao lado de seu “Uomo di Parola” ela voltou a Brasil para visitá-los.

 

Segundo ela, os desafios continuavam muitos, mas estava feliz.

 

Quanto tempo isso vai durar não sei, só sei que tudo isso aconteceu numa sala de bate-papos.

Fim

 

Do livro: “Denúncias Poéticas, Contos e Crônicas” – Pág. 85 – Irene Coimbra