Vozes dos fantoches

1

O irmão sério, sem fitá-lo, os olhos na piscina ao lado, vazia:

- Família é “bronca”! Acaba com qualquer um, quando o sujeito é direito, responsável...

A pausa. A mão que segura o copo com o uísque e bebe devagar, como se criando força para prosseguir o desabafo repentino, impulsionado pelas doses, a embriaguez que o vence.

Ele nada diz. Aguarda. Há instantes em nossa vida que temos de respeitá-los, entender o ser humano.

O irmão agora o encarando:

- O meu filho, o Gustavinho, anda me preocupando. Sempre fora de casa. Chegando pela madrugada. Recebendo telefonemas direto e, ultimamente, vem um “coroa” bem vestido, num carrão importado, que pára aí à esquina, esperando-o.

Silencia. Toma outra dose.

Ele espera. Compreendendo o irmão.

Da residência na qual se encontram nos fundos, não vem nenhum som, como se o silêncio tudo guardasse, numa solidariedade. Da piscina, apenas a placidez da água clara, que exibe os azulejos brancos.

O irmão com a voz mais baixa:

- Mano, estou calejado pela vida, bem vivido, antes mesmo que aconteça algo, eu já pressinto... A vida do Gustavinho está “torta”. Receio que esteja se envolvendo com “droga”, ou com essa “patotinha” de gay, que agora está tudo liberado, declarado. E estou cansado de orientar esse rapazinho para o caminho do bem, mas, a juventude de hoje em dia, pensa diferente, vive num mudo sem freio. Eu sou de uma época em que havia respeito, obediência aos pais. Sou na linguagem deles, um “coroa quadrado”...

Ele então segura o copo e toma a dose do uísque amargo, apesar dos tubos de gelos e se mantém calado, ouvindo o irmão:

- A gente cria os filhos com tanto sacrifício, esperança num futuro de vitórias...

Suspira e toma nova dose. A fisionomia tristonha. Os lábios trêmulos. Os cabelos finos esbranquiçados, a testa larga de rugas acentuadas.

Desvia a atenção, evitando a imagem do irmão assim na aflição do que o tortura, a não aceitação à realidade pela qual tem de enfrentar.

- Já a outra filha, a Nelma, também me preocupa. Uns namoros com uns tipos tatuados, faladores de gírias, uns caras de motos. Descontraídos. Mal-educados e, para completar tudo, o meu drama, a esposa, a Célia, alheia a tudo, se prendendo a futilidades, vestidos, saídas com as madames da alta-classe. Sei não, sei não. Os filhos, na realidade, são as nossas cruzes! Queiramos ou não, infelizmente, essa é que é a realidade, sem disfarce. Mas... E você, como está? A família está bem?

Ah, apesar da pobreza, o casal de filhos adolescentes, o Carlos e a Maria, sabem se portar, não se envolvem com “patotinhas”, não freqüentam lugares suspeitos. A Juliana, a esposa, sabe administrar a casa, as despesas... Responde:

- Até o presente, Henrique, tudo sem problemas. Não tenho do que me queixar.

O sorriso triste do outro. Os olhos que fogem e... A voz também afetada pelo que compreende e sente:

- Pois é, o dinheiro não compra tudo. Você é que é feliz mano!

Volta-se e, buscando se reentregar ao presente:

- Vamos dar um mergulho?

- Vamos lá!

Os dois corpos então se atiram ao encontro da água morna, acolhedora da piscina.

A tarde cai e, da residência nenhum som. O silêncio permanece. Como numa calada voz da compreensão.

2

Juliana ao abrir o guarda-roupa do filho, para fazer uma arrumação que faz assim sem aviso, encontra no recanto da gaveta, sob camisas e calças, o pequeno embrulho e com o coração aos pulos, a respiração acelerada, pressentindo... Abre-o. E encontra as pedrinhas envoltas em plástico. A droga tão comercializada, propagada e combatida pela imprensa e autoridades. O craque.

Sente de repente o corpo frio, o suor nas faces, nas costas e com as mãos trêmulas, que acolhem as pedrinhas, fica sem saber como agir, fantoche que está da própria realidade.

- E agora meu Deus?

Aí a porta da frente se abre e os passos do marido adentram na pequena sala. Confiantes, inocentes.

- Juliana?

Ela apressada junta as pedrinhas, refaz o pacote e devolve-o ao recanto da gaveta.

- Estou aqui no quarto do Carlos, tou indo...

Ah, meu PAI como revelar o que acaba de descobrir sobre o filho, o Carlos, ao marido?

Em passos vacilantes pela angústia vai ao encontro do que a aguarda, na sala.

lu dias bh disse:PAULO VALENÇA (o escritor preocupado com o social).

Paulo Carneiro
Enviado por Paulo Carneiro em 21/08/2011
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