Fome de Amor


       Os gritos começaram.
       Mais uma vez. 
       Por quê?
   A pergunta ocupa a mente, aperta  o coração. Apesar da pouca idade já conhece o amargo sabor da tristeza.
     Amor tem fim? Pensava que seus pais se amavam e que o amor entre eles nunca acabaria. Não consegue entender como e qual o motivo de olhares, antes amorosos, agora cheios de ódio. Desistiu de perguntar porque a resposta que ouviu várias vezes o fez silenciar: “Não é da sua conta. Saia daqui!”.
  Já aprendeu. Não é necessário que o lembrem. Quando os gritos começam, ele vai para o quarto.
     Falam tantas palavras ásperas um para o outro, procuram motivos para acusar e humilhar; envoltos pelo egoísmo de uma subjetividade que ignora o sentimento da criança, preocupados em ferir mais e mais um ao outro, não percebem – e nem poderiam  – que o menino volta e meia vai até a cozinha, cata pedacinhos de pão, olha para os pais e volta para o quarto. Coloca com carinho cada pedacinho de pão  no parapeito da janela e espera. Como que a sentir a tristeza a ave pousa devagar, olha para o menino e afaga com o bico  a migalhinha de pão. Parece perceber que isso faz   os olhinhos da criança  brilharem e antes de engolir cada pedacinho, como se fosse um ritual, repete tudo outra vez. O menino sente que não está só. Nas migalhas que oferece  sente-se protegido e acomodado  sob as asas da ave.
    Da cozinha vem o som de gritos. O menino sente fome.
         Fome de amor.



(Publicado na Coletânea Tudo Num Só - ASES - 2009)


 
Maria Inez Flores Pedroso
Enviado por Maria Inez Flores Pedroso em 19/08/2011
Reeditado em 20/08/2011
Código do texto: T3170376
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.