Aliança que caiu do céu
Foi em Santana, entre oito e dez horas da noite, atravessei a rua, não sei ao exato o que sentia, me lembro de ser uma espécie de desespero, letargo e ócio, um estado que me acomete após o crepúsculo do dia e assim é até o inicio do próximo. É um estado que ainda não nomeei, não encontrei uma palavra para isso. Atravessava a Rua Olavo Egídio, próximo ao metrô Santana, me lembro da rua estar vazia, quando ouvi um estalo de metal contra o asfalto, olhei para trás e notei a pequena forma luminosa e circular rolar e bater aos meus pés, tilintou e caiu, cessou. Uma aliança, prateada, devia ser de compromisso eu acho, já que as de casamento são douradas. Pensei que alguém a tivesse deixado cair, procurei. Ninguém na rua, só um mendigo que dormia sobre um banco da praça ao longe, logo conclui que o anel não o pertencia. Procurei algum nome grafado, nada. Fiquei instigado com a origem daquele pequeno aro metálico. Devia pertencer a algum casal, e em um desentendimento, briga, ou até mesmo no fim da relação, um dos dois o tenha arremessado janela a fora. É, pode ser, havia prédios lá, muitos. Nunca usei aliança, sei mais ou menos o que significam em um relacionamento, alguma coisa do tipo “a partir de agora, você é propriedade minha”, pelo mesmo motivo que se põe coleira em um cachorro, para mostrar que já tem dono. Como a aliança caiu do céu direto aos meus pés, como uma imposição celeste, seria eu agora uma propriedade divina? Tentei por um bom tempo encontrar algum simbolismo nisso, desisti, sofro de um caso grave de preguiça mental, pensar me cansa. O fato é que, no dia seguinte, fui tomar banho, deixei o anel sobre o rack da sala, ao voltar, cerca de 10 minutos depois, não estava mais lá, o horário era o mesmo de quando o encontrei, também não havia ninguém em casa, passei o resto da noite procurando, e o dia seguinte também, não encontrei. Acabei me apegando, mas desisti de procurar, uma hora eu encontro, já que é assim,quando você desiste de um objeto perdido que ele resolve aparecer.