Cassiana

Derrotada.

Destruída.

Deprimida.

Decepcionada. Era essa a palavra que procurava.

Porque tudo isso acontece comigo? E não venha nenhum espertinho dizer que eu só tenho 24 anos. Tempo demais para mim! Sinto-me aprisionada dentro do corpo de uma anciã degradada pelo tempo & por tudo a que rodeia. Sinto só, mesmo estando cercada de gente por todos os lados. Não conseguia descansar nem quando dormia. O trabalho me exauria. Ninguém me compreendia. E os que queriam me ajudar em enchiam de tédio de temor por sua hipocrisia. Estava bebendo como nunca! Fumava maconha a toda hora. Tinha pensado em me entupir de comprimidos e relaxar para sempre, porém achei que isso poderia ser arriscado e me causar sequelas graves. Tentei pensar então em gás, mas achei que poderia não dar certo e algum vizinho metido a sabichão querer me resgatar. Tiro na boca? Não tinha uma arma de fogo e muito menos a quem pedir emprestado. Cortar os pulsos? Antiquado e ineficaz, o corte tem que ser preciso e minhas mãos nunca foram lá muito firmes e ainda temos que levar em contra a temperatura da água na banheira. No fim das contas, decidi que todas essas divagações não me levariam a lugar nenhum e que era mera perda de tempo. Afinal, o que existia para ser morto? Um nada. Humilhado. Decepcionado. Aviltado em seus sentimentos mais puros e nobres e ainda por cima me sentia como uma vítima de um grotesco estupro moral. Estupor total em minha mente.

Culpa daquele filho da puta do meu ex-namorado. O Tadeu. Tremendo safado! E na real, no presente momento eu tenho absoluta certeza de que a culpa de toda essa situação é minha. Minha e de mais ninguém. Eu forcei todas as barras. Quebrei todas as regras para viver o que eu achava que era AMOR. Como eu era bestinha aos 21 anos, no terceiro ano de faculdade, saindo com os descolados de plantão e sendo mais um garotinha fútil e banal como outra qualquer!. Não que fosse vulgar. Ainda não sabia direito o significado dessa palavra. Quando soube por “terceiros” que meu namorado estava levando uma “vida de solteiro” com qualquer piranha que respirasse achei que era uma baita de uma fofoca e não dei ouvidos. A gente brigava e terminava “para nunca mais” todos os meses e já iria fazer três anos de relacionamento. Eu sabia que ele usava droga pesada e experimentei umas três os quatro vezes e isso nunca me caia bem. Até uma noite que Tadeu, num desregramento total dos sentidos bem maior que o de costume, me propôs fazer um ménage a trois com uma amiga sua eu lhe disse todos os palavrões que eu conhecia e rompi definitivamente pela primeira vez. Fiquei puta com a falta de consideração do cara. Porra, se todos os homens tem essa fantasia sexual aberrante eu gostaria de fuzilar todos eles! Claro que ele estava entortado de tanta coca e vinho e acho que isso não justifica. Fui para casa chorando como uma criança e fiquei o final de semana inteiro trancada no quarto com as persianas abaixadas e nem queria comer. Ia ao banheiro quando minha mãe e meu irmão saiam de casa. Não queria ver ninguém. Não atendia ao telefone fixo e o meu celular estava desligado. Internet? Eu queria morar na Terra do Fogo. Numa caverna. Numa trincheira com uma metralhadora. Não que fosse rebelde ou revoltada. Pelo contrário: sou fruto direto daquela geração imbecil dos fins anos de 1970 & início dos 1980 que ainda cultivavam aquela ideologia capenga e ultrapassada do “poder da flor” & da “paz & amor” que apenas replicava no fato de eles terem se casado e arranjado um emprego respeitável igualzinho aos seus pais. Nada de novo sob o sol? Fiquei uma semana arrasada e continuei frequentadas as aulas a indo trabalhar por puro automatismo. Afastei-me das pessoas e quando elas se aproximavam de mim e me perguntavam eu respondia por monossílabos. A frase mais longa que eu articulava era “nada”. No primeiro final de semana depois de toda essa desolação resolvi que merecia descanso e uma festinha. Decidi que merecia viver. E fui. E adivinhe quem eu encontro? O próprio. Ele veio até e mim e fez o número. Disse-se arrependido e que eu não merecia ouvir essas coisas, que tinha refletido demais sobre seus atos para comigo, que eu era a pessoa especial que ele sempre tinha procurado desde os 15 anos (Tadeu é dois anos mais velho que eu), que eu era uma pessoa especial e por fim que me amava de todo o coração. Puxou-me num abraço apertado e delicioso que me fez esquecer no mesmo momento o absurdo a que ele me tinha quase intimado a realizar. Voltei para ele ali mesmo. Parecia que era sincero. Só parecia.

Voltamos a sair. Cinema. Teatro. Bares. Shows de qualquer coisa que nos soasse interessante. Novas festas. Até algumas viagens até Santa Catarina & a Ilha do Mel. Dormíamos juntos sempre de podíamos e até que sempre gozei de liberdade sexual na minha casa. Seus pais me adoravam. Tadeu era filho único. Com todos os achaques de filho único. E eu sempre tentava compreendê-lo. Inclusive quando me disse uma vez que me amava muito além de seus familiares. Que me amava muito além de si mesmo. Na hora achei o máximo! Uma declaração desbragada para mim. Não percebia como isso poderia ser doentio e até demente. Eu não perdia por esperar. Tadeu adorava arranjar confusão também. Por várias coisas. E eu confundia isso. Em principio eu achava que era zelo por mim. Pela minha integridade. Pela minha sanidade. Mas não. Era apenas um menino mimado querendo agir como homem. Agir de acordo com a sua concepção de “ser homem”. E se alguém por ventura sequer encostasse a mim em uma fila de um show, vamos dizer, era o “Apocalipse de São João” elevado a uma potência termo nuclear. Tadeu sempre tivera de tudo que uma pessoa poder querer. Quando passou no vestibular ganhou um carro. Esse era o tipo. E eu – Cassiana – me deixei levar. Talvez fosse inexperiência? Ou será que estou tentando e tentada a me justificar? Não creio. Nesse momento não creio. Numa outra noite ele encontrou seus pretensos amigos num bar. Nunca foi com a cara de nenhum deles. Posso dizer sem medo de errar que era para mim um bando de parasitas, peixes pilotos que se aproveitavam dos restos do grande tubarão branco. Isso nem é um julgamento. Apenas constatação do óbvio. E o óbvio sempre esteve diante dos meus olhos por toda minha parca existência terrena. E a moça aqui se decepciona quando ele se mostra em seu esplendor. Outra noite de uso desenfreado de drogas e eu com a mesma cara de bunda de sempre me encharcando de cerveja choca e morna para aguentar até a hora de irmos embora. Essa era outra coisa me fascinava com o Tadeu. Ele nunca tinha hora. Para nada. Estagiava numa empresa apenas para completar horas e se formar. Eu tinha um emprego e labutava duro para mantê-lo. Quando ele usou tudo que quis me deixou em casa sem dizer palavra e acelerou seu bólido. Vou dormir por puro cansaço físico e mental. No dia seguinte, quando acordei, liguei para ele e não fui atendida. Liguei pela hora do almoço. Nada. No fim da tarde, começo da noite, mesma coisa. Comprei um vinho numa adega e fiquei bebericando contrita e fumando um cigarro atrás do outro ouvindo Billie Holiday ao luar. No domingo mesmo procedimento. Na segunda, ele aparece na minha saída do trampo com um buquê de rosas vermelhas e um cartão escrito com seus garranchos selvagens um verso de Fernando Pessoa. Fiquei enlevada e me achando a melhor das mulheres. Meu aniversário estava próximo e gesto de Tadeu me alegrou imensamente. Fomos tomar um drinque num lugar bem bacana que não era muito cheio. Beijamo-nos e sorrimos um para o outro. Acariciamo-nos por debaixo da mesa. Eu tinha a sensação de haver uma miríade de borboletas no meu estomago nessas horas. Sentia que Tadeu me amava com toda a sua força vital. Poderia alguém estar manipulando meus sentimentos e minha vida? Poderia eu ser apenas uma marionete conduzida por cordões invisíveis? Poderia ser apenas um fantoche? Poderiam ser apenas palavras ao vento? Como eu poderia responder satisfatoriamente essas perguntas se à época eu não as fazia para mim mesmo? Eu ia levando e relevando. Tudo. Ele era um excelente amante. Eu só tinha ido para a cama com um cara antes dele. Inexperiência? Ultima vez que uso essa palavra. Levou-me a um motel e passamos toda a noite juntos fazendo excentricidades e almoçamos por lá mesmo. Cheguei atrasada no trabalho. Quem poderia me julgar? As flores eu coloquei num vaso no momento que cheguei em casa em êxtase. Minha mãe andava de bom humor naqueles dias. Um bom humor que não via há anos desde a separação do meu pai quando eu tinha 10 e meu irmãozinho que eu sempre gostei de cuidar e paparicar tinha seis. Foi duro para nós dois. Apesar da “guarda compartilhada”. Meu pai saiu de casa de acabou se casando com uma menina que hoje é três anos mais velha do eu. Fiquei... chocada. Hoje entendo. Acho que entendo. Minha mãe elogiou as rosas e sorriu. Fui para meu quarto e liguei para o Tadeu. Ele atendeu e pela sua voz ficou feliz. Tudo tinha voltado ao normal. Azar o meu.

Continuei levando minha vida. Tinha um trabalho. Estava na faculdade. Tinha um namorado. Tinha romance. Tinha diversão. O que mais eu poderia querer? Seus pais sempre me convidavam para almoço e jantares. Eu agora era uma pessoa próxima. Tinha outra família. E achava isso demais. E era considerada da família. Eu estava “feliz”. Como se isso fosse felicidade! Tenho um amigo que é contista que diz que felicidade só se obtém com Prozac. Concordo com ele. Tempos depois estourou a maior briga entre eu o Tadeu por um motivo que simplesmente nem me lembro mais de tão banal que deve ter sido. E eu o vi em ação! Seu linguajar parecia de alguém criado no Porto de Paranaguá! Nem minha mãe possessa por alguma travessura diabólica que eu tenha aprontado se dirigiu a mim daquela maneira! Bem, ele nem seria louco ou estupido de me agredir, pois eu cortaria suas bolas sim, mas confesso que fiquei com medo. O que ele estava fazendo na minha vida? Preenchendo um vácuo que estivera por tantos anos em mim mesma. Tentei acalmá-lo foi ainda pior. Sai batendo portas para o espanto dos pais dele jurando nunca mais falar com esse filho da puta. Fiquei duas semanas amargas, fugindo de qualquer contato maior com qualquer coisa. Toda vez que eu me desentendia com o Tadeu era essa mesma merda! Pela segunda vez. E é claro que teria a terceira. Eu lhe dei outra chance. Ele falou que tinha repensado tudo e decidido mudar porque realmente queria ficar comigo de corpo e alma e estava até cogitando de morarmos juntos quando ambos nos formássemos. Um pedido de casamento? Informal, pelo que entendi, mas era casamento. E mulheres gostam disso. Eu não era a exceção. Ou cria não ser. Nosso namoro foi navegando pelo período mais instável desde que começou. Saiamos juntos quatro ou cinco dias da semana e nesses sempre fazíamos amor. Por oito meses protagonizamos o filme de amor mais romântico que se tem noticia. Um delicioso idílio. Uma versão de paraíso terreno com direito a muitos beijos molhadas, coxas suadas & muito fluidos. Eu estava com vontade de sair de casa para ter mais liberdade ainda e um velho conhecido da minha mãe topou ser fiador de um apartamento no centro da cidade. Ali construí meu arremedo de ninho de amor para mim e Tadeu. Agora poderia gritar e berrar para o mundo todos os meus sentimentos. Era maravilhoso acender um cigarro, colocar musica boa no computador e sentar num sofá próximo a janela, vendo as luzes de Curitiba se acenderam quando a noite despontava e esperar pelo meu homem. Ele chegava e nos entregávamos imediatamente as todas às caricias imagináveis para depois de exaustos recomeçarmos tudo outra vez. Noite após noite. Fim de semana após fim de semana. Eu estava radiante. No auge. E todo apogeu tem sua iminente queda. Dez meses depois eu me considerava a pessoa mais realizada do mundo. A faculdade andava bem. Tinha recebido um polpudo aumento de salario por minha dedicação ao trabalho e ainda tinha carinho e atenção. Até que um sensor interno começou a tocar e eu nem me dei conta disso no mesmo instante. Tadeu agora parecia distante. Dir-se-ia como uma criança que cansou de seu brinquedo novo. E eu não percebia. Ou melhor, fingia que não percebia para não afetar as suscetibilidades de ninguém. Hoje digo isso sem medo ou rancor. Resolvi ignorar tudo e me dedicar de corpo e alma a essa pessoa e logo eu estaria morando com ele. Eu suspirava durante o dia e a noite gozava como uma louca. Não percebia como isso estava se tornando mecânico. E que às vezes Tadeu se irritava por alguma coisa. Até o dia um sábado que ele apareceu no meu apê com um uma cara estranha. Decidi ser uma “boa menina” e trata-lo como um príncipe. Ele repelia minhas caricias e meus beijos e minhas investidas. Repeliu também o vinho que lhe ofereci. Repeliu qualquer atitude amorosa de minha parte. Meu peito denunciou o golpe. Toda a vez que eu tentava descobrir o que estava havendo com ele, Tadeu abaixava a cabeça e ficava em silêncio. Até que resolveu falar. E falou o que quis e o que não quis. Que eu não passava de burra! que não percebia nada? que não fazia ideia de nada. que eu estava sendo traída ( corneada, foi o termo que ele usou )? que seu encanto por mim tinha passado já a algum tempo e que não tinha coragem de me dizer nada pois eu parecia estar muito feliz. que eu o estava sufocando e o colocando numa situação perigosa que poderia fazer acabar qualquer sentimento que ele poderia nutrir por mim. que – na real andava arrastando as asas para algumas outras e tinha ficado com uma outra menina e transado com ela! Dizer que foi um soco no estomago é puro clichê. Se tive alguma reação foi patética. Abri o berreiro! Não conseguia concatenar uma frase. Minha mente era um amontoado que palavras incoerentes que não saiam pela minha boca. Tadeu simplesmente levantou-se e saiu. Sem bater a porta. Isso me machucou mais que suas palavras e seu tom exaltado. Fiquei prostrada em desespero! Três anos da minha vida jogados pelo ralo. Meus sentimentos transformados em zombaria e traição. Suas palavras doces não passavam de repetição histérica. Então era assim que o mecanismo funcionava? Tranquei-me no quarto e meu travesseiro ficou ensopado. O mundo exterior não me dizia mais nada. Não pela traição. Pelas atitudes. Não liguei para meus pais por uma semana. Não apareci trabalhar e nem estudar. Não queria ver ninguém. Alimentava-me basicamente de leite, bolachas de agua e sal e todo o vinho e o cigarro que eu aguentasse. Minha erva tinha acabado e eu nem ligava. Ficava apenas remoendo aquele sentimento de tempo perdido. Os bons momentos de minha relação com o Tadeu tinha sido relegados ao um buraco negro. As borboletas que voejavam em meu estômago desapareceram deixando um espaço vazio que se traduzia em dor física. Eu que sempre fui esguia virei uma “vara de cutucar estrela” em poucos dias. As olheiras de tanto chorar e pouco dormir. Minhas costas ardiam como se eu tivesse tomado uma surra com um taco de beisebol. Não escovava os dentes e tomava banho quando me dava na telha. Reduzi-me a um farrapo humano desprezível por pura inércia. Não tinha forças para pentear o cabelo. Meu pai bateu em minha porta num sábado e pelo olho mágico resolvi não atende-lo. Meu celular estava relegado ao desterro no fundo de minha bolsa. Não era justo o que estava acontecendo comigo. Dias e noite iguais. Duas semanas depois o porteiro veio e entregou o ramalhete de flores que eram a coisa mais bonita que se poderia conceber e o cartão mais poético já escrito. Com as mesmas mentiras de sempre. Suplicando meu perdão. Pedindo uma nova chance. Ordenando que entrasse em contato. Que tínhamos que conversar seriamente. Conversar seriamente? Uma porra! Não que eu tenho sido banhada por uma lufada de ar fresco e muito menos por um bálsamo. Eu estava puta! E ainda não tinha caído ficha de que eu é que tinha forçado todas as barras para ficar com o Tadeu. Que meu egoísmo era feio e que só me trazia problemas. Deu-me vontade de pegar no telefone e mandar esse homem para o quinto do inferno! Não fiz isso. Não tinha nenhuma estratégia. Minha defesa foi me fechar em mim mesma e continuar curtindo minha mágoa. Fui para a casa de uma amiga por uns dias ela passava o tempo todo tentando levantar meu astral. Não poderia levantar algo que não mais existia. Não falei com meus pais e nem meu irmãozinho por todo esse tempo. Voltei para meu apartamento e mais uns dias de puro terror. Eu me sentia suja, degradada, degenerada, tomada por uma doença venérea agonizante. Foda-se tudo, era meu mantra. Nem voltei ao meu emprego porque sabia que tinha dançado mesmo. Tentei retomar seus estudos e as aulas pareciam banais e sem sentido. O mundo ao meu redor parecia sem sentido. Queria ser a “Carrie, a Estranha” e promover toda aquela confusão. Eu estava envolta num estado mórbido de um sonho pavoroso. Meus amigos se afastaram. Até tentei conhecer alguém. Um deles era bonito e tinha os dentes mais brancos que se possa imaginar e um cabelo louro que parecia trigo no campo de tão brilhante. E ele me dava preguiça. O outro era um cara mais velho, musico de blues que mesmo fazendo seus discursos inflamados era muito interessante. Esbanjava ousadia e autoconfiança. Tinha apenas um defeito. E grave. Era casado. E o pior que se fosse com uma mocréia, uma megera, uma serpente, eu teria caído em sua lábia. Sua esposa era linda, comunicativa, expansiva, com um sorriso terno, de uma meiguice sem par e que tinha uma risada que demonstrava mesmo que ela era uma pessoa real. Fiquei arrasada com isso. Senti-me a última das mulheres. Achava que as meretrizes que faziam ponto na rua eram mais bonitas e interessantes que eu. Num sábado de profunda depressão e quase em pleno surto, bêbada como um gambá, liguei para minha mãe e supliquei que ela me deixasse voltar para casa. Que me aceitasse de volta. Ela concordou prontamente no dia seguinte fui para lá. Meu acampamento tinha sido desfeito e mamãe devolveu as chaves do apartamento com um mês de aluguel pago adiantado. Não importava. Quando me viu quase teve um infarto. Eu era um cadáver ambulante. A pálida sombra do que tinha sido. Como iria me lamentar?Tadeu tinha de dado todas as dicas. Eu tive três anos para conhecê-lo e fechei os olhos para o óbvio. E desgraça pouca é bobagem. Fazia um mês que eu tinha voltado para casa quando o telefone tocou e uma amiga me convidou para uma festa. Decidi ir meio a contragosto e depois de um tempo tomei um belo banho e passei creme nos cabelos, fui a um salão de beleza fazer as unhas e coloquei uma roupa bem transada que estava meio larga em meu corpo. Chegamos à casa de gente rica e tentei me divertir quanto eu pude. Lá pelas duas da manhã não é que me deparo com o Tadeu e seu amigo mais desprezível? Ele me viu e jogou seu charme. Chegou perto e sussurrou palavras doces de reconciliação. Eu disse que não. Que isso não era possível. Ele contra argumentou que nosso “amor superaria tudo” e eu recusei. As palavras saiam da minha boca sem nenhuma paixão. Eu estava machucada. Estava duramente lesada no meu âmago. Fui embora naquele momento. Peguei um táxi, cheguei em casa e chorei novamente, minha rotina diária. Dias depois encontrei meu amigo contista e narrei para ele minha história recente. Ele foi legal e apenas ouviu. Pagou-me um vinho. Foi humano e decente. Chorei em seu ombro. Ele começou a falar e eu não ouvia. O que eu tinha feito para merecer tudo isso? Levou-me para casa e anotou seu número de celular para que eu ligasse a qualquer hora do dia ou da noite se estivesse me sentindo só. Nunca o fiz. No fundo eu me sentia só desde que me conhecia por gente. Desde que meus pais se separaram. O Tadeu apenas acelerou um processo. Eu tinha agora a consciência de que culpa do que me tinha acontecido nesses três últimos anos era toda minha! Essa torrente de sentimentos fora eu mesmo que tinha provocado. Esse torvelinho de emoções contraditórias fora causado por mim mesmo e meu egoísmo e eu tinha que ir em frente. Suicídio era trabalho duro com resultados incertos. Poderia conseguir de uma vez ou ficar tentando até afetar seriamente minha saúde. Ou me deixar até o fim da vida em estado vegetativo incomodando meus familiares. Meu irmãozinho iria me odiar. Meus pais iriam se culpar para sempre. Minha sanidade estava completamente comprometida. Eu andava pela casa aos gritos ou num silêncio mortal. Não existia nenhum equilíbrio em meu ser. Afundei-me na leitura, nos estudos. Precisava me formar. Minha mãe me deu o suporte financeiro total. Estava realmente preocupada. Uma legitima preocupação materna. Por incrível que pareça eu vi uma luz no fim de túnel e me perguntava se não era o trem chegando. Parecia ser. Não chegava a nenhum consenso.

Decidi tirar meu passaporte.

Decidi raspar o tinha na caderneta de poupança.

Fiz as malas e coloquei livros do Charles Bukowski na bagagem.

Não tinha certeza de nada.

Suicídio é para gente romântica e eu não me enquadrava nessa categoria.

Fui de Curitiba até Sacramento.

Sem data para voltar.

E foi assim que compreendi que minhas dúvidas poderiam ser transformadas em ironia e mordacidade.

E foi assim que decidi pela vida.

Obrigado por terem lido. E acho que isso é só por enquanto.

Curitiba, 09 de agosto de 2011, 16 grau – inverno.

Geraldo Topera
Enviado por Geraldo Topera em 18/08/2011
Código do texto: T3167569
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