Acaso Digital

Hoje uma mãe errou de numero e deixou este presente em meu celular

Bom dia filho já acordou?

Bjos bom serviço.

Claro que me comovi, não há como não se comover com um despertar destes, por mais simples e inesperado a delicadeza sempre nos move.

Passei o dia a refletir sobre aquele recado em meu celular o quanto ele havia chego a boa hora, puxa como estava precisando do colo de mãe ainda que virtual ou digital não importava ele trazia o mesmo desejo de poder sentir o calor de suas mãos, a segurança do cordão umbilical que me prendia de tal forma como a muito eu não sentia.

Puxei pela lembrança para rememorar do quando havia sido da ultima vez que a sentira tão próximo, aquela sensação de afeto e carinho.

Vibrei internamente e claro afirmei, sim havia um motivo uma razão para aquela manhã tão linda, coincidentemente maio e outono estações prediletas dela, adoro o outono poucos dias antes da chegada da primavera os jardins do mundo e o meu em particular revela nuances incríveis do que ira se revelar na chegada da primavera, como barriga de mãe majestosa antes do parto.

Falando em jardim, aprendi a cultivá-lo com ela, sempre ensinava um cantinho para cada uma levando em conta suas necessidades de calor, água, vento e nutrientes

-olha vê se deixa as rosas de forma que o sol as toque por inteiro e não se esqueça elas adoram água.

Mas aquele recado em meu celular me fez bem aquela manhã, lembrei da manhã em que havíamos nos despedido, estava frio exatamente como ela gostava, no dia anterior parecendo querer-me dizer que sua viagem seria mais longa e provavelmente ficaríamos muito tempo sem nos ver

–ela me disse carinhosamente, amanhã não precisa se preocupar nem fique triste será apenas um ate breve, nada de cenas heim, combinado, então me de meu beijo de boa noite encontro você na estação.

O inverno se impunha, a beleza no azul do céu do inverno me faz ficar na janela a observar por longos instantes, naquela manhã este meu momento de contemplação foi interrompido por leves batidos na porta avisando-me que estava na hora.

Nunca esquecerei o quanto estavas linda, parece que para me agradar ela colocou aquela sua blusa branca com listras horizontais verdes que realçava os contornos do seu colo e a deixava linda a saia preta e o rosto levemente maquiado e um sorriso delicado em seus lábios completavam a imagem que se apossou de meu imaginário desde tenra infância.

Eu a disse em pensamento o quanto o amava e era grato por todos os recursos que ela havia me possibilitado, a sua generosa presença quando da minha primeira cartilha, do lanche inesquecível e surpreendente na merenda daquela tarde no meu primeiro ano na escola, do quanto eu fui grato por ter aceitado e cuidado com carinho de meu amigo Xulico que havia me adotado dias antes.

Sobretudo eu a pedi que me perdoasse pela ignorância fruto azedo de minha imaturidade eu gostaria de ter sido mais paciente e generoso quando de suas fraquezas e não fui.

E pior quando me desgarrei por entre os caminhos e passei anos perdido entre as ilusões, transferências e opacas visões a cerca da vida.

É uma pena como levamos tempo para nos livrar de visões que não nos levam a nenhum lugar além de ilusões, medos, culpas e solidão.

Sabe o que manteve seguro mesmo quando a estrada se tornava inóspita e o medo passava a governar, ela e suas orações para que meu anjo da guarda me ajudasse a acertar nas bifurcações vindouras, não há atalhos para o paraíso, descobri que o caminho se revela enquanto caminhamos e cada centímetro deve ser composto plenamente de ser.

O buque de rosas brancas foi para te desejar o mais integral amor enquanto você subia no trem, fiquei ali por uns instantes contemplando o jardim e pensando no quanto doía sentir o cordão umbilical se rompendo e eu solto pela primeira vez no destino.

Foi exatamente o que senti, quando soube de sua morte, aquela sensação de desligamento nunca havia me tomado antes, foi como se eu nascesse de novo, desta vez do parto da partida do útero, coração e espírito da mãe que sempre esteve comigo, mesmo quando estávamos longe fisicamente.

Aquele recado deixado por engano em meu celular me despertou para impagáveis sensações, lembranças de uma vida que tive e da qual eu já não vivia.

Pelo amor que temos, ontem fui silenciosamente ao meu interior e vasculhei cada segundo que não vivi e removi todas as partículas de culpa que incrustei como compensação pelo tempo que não tivemos e que supostamente iria nos redimir... E a deixei livre para caminhar outros tempos e renascer ainda mais livre.

Obrigado mãe pelo recado deixado por engano em meu celular.

D Lima
Enviado por D Lima em 18/08/2011
Reeditado em 18/08/2011
Código do texto: T3167364