VIiolência explícita
Era uma mulher jovem, com seus vinte e poucos anos. Alta, bem vestida, bem penteada e arrumada. O que destoava completamente de sua fisionomia carregada, que demonstrava ira e impaciência; de seus gestos abruptos, da maneira quase brutal com que girou a catraca do ônibus.
À sua frente passou a menina, loira, magrinha, com a mochilinha nas costas. Eram por volta de seis da tarde, então deduzi que era a mãe buscando a filha na escola.
A menina passou e sentou-se no banco logo atrás de mim. A mãe veio em seguida, batendo estrondosa e desnecessariamente os saltos dos sapatos, visivelmente descontrolada emocionalmente e sentou-se ao lado da menina. Ato contínuo, destampou o caldeirão de horrores sobre a criança, num tom de voz muito além do necessário para que ela ouvisse e mais do que suficiente para que todos escutássemos:
- Agora eu quero saber, já, agora, o que tem de lição! Não pense que amanhã você vai fazer como hoje, dormir até às onze horas e ainda ir fazer o dever de casa, atrasando todo o meu dia! (a voz tremia, furiosa). Fala logo aí o que tem para fazer, eu quero saber tudo, você não vai dormir hoje enquanto não fizer tudo. Eu não aguento mais isso, você já tem sete anos, tem que se responsabilizar por tuas coisas! Não aguento mais! Então, qual é a lição?
Não pude ver, mas, pelo fiapo de voz que se fez ouvir, imaginei o medo estampado no rosto da criança ao dizer (talvez mostrando o caderno):
- É... essas contas... tem que continuar em casa.
- E o que são esses riscos embaixo? Rugiu novamente a genitora.
- É que eu tinha... que pular uma linha... entre as contas ... eu não deixei...
Numa exaltação exponencial, vocifera a “gentil” mamãe:
- Ah! Então sabe o que eu vou fazer quando chegar em casa?
Estremeci, e imagino que o pânico tenha descorado as faces da criança e marejado seus olhinhos assustados .
-Vou arrancar essas folhas e você vai ter que fazer tudo de novo. Vamos ver se assim consegue prestar atenção da próxima vez! É isso, você vai fazer tudo de novo. E vai começar agora!
Não me contive e olhei para trás. Vi a menininha, loira e linda e frágil tremendo, quase chorando, tentando resolver as contas com a “ajuda” da mãe.
Uma mulher totalmente despreparada para essa função, sem o menor “instinto maternal”, como tantas outras que vemos por aí. Imaginei que deveria estar com algum problema sério, talvez de saúde, ou de relacionamento, ou ainda financeiro, ou TPM; mas nada, absolutamente nada neste mundo poderia justificar aquele tratamento dispensado à criança.
Ainda bem que eu desceria no ponto seguinte, para não continuar presenciando tal situação de tortura. Fiquei imaginando o que seria de uma pessoa criada nessas condições. Teria um pai presente, que contrabalançasse com cuidados e carinho essa fúria indomável da mãe? Teria um acompanhamento psicológico que a ajudasse a superar essa situação? Será que alguém da família sabia desse terrível desvio de comportamento da mulher?
E, pior ainda, se ela tratava a criança dessa maneira dentro de um ônibus, com várias testemunhas, como seria a relação das duas dentro de casa? Prefiro nem pensar!