Sobre a inocência
A inocência humana me comove. Não que me emocione apenas. Me prostra. Me vence. Me anula. Quero contar o que me aconteceu. E como me perturbou. Outro dia eu andava pela rua e uma mulher de pele suja me parou, ergueu sobre mim seu braço magro. Eu, que andava em direção a qualquer lugar – não lembro – parei diante dela, assustada. Ficamos um instante imóveis, sem falar, diante uma da outra, quando esquivei-me, meio embaraçada – afinal a mulher estava suja e eu não a conhecia, ou reconheci-me nela e por isso surtei. Ela me pediu um real. Eu tinha, mas mão dei, fui arrogante e menti. Menti com a cara mais deslavada: não tenho. Eu tinha, claro. Ela insistiu, eu tentei desvencilhar-me, foi inútil. Eu não lembro aonde ia, mas lembro de estar com pressa. Tentei escapar – meu instindo mais feroz – no entanto ela impunha-se diante de mim. Então, numa atitude mesquinha, abri a bolsa e remexi, procurei algo que não sabia o que era. Retirei um pequeno espelho, um batom, uma chave. Como eu desprezava aquela mulher! Ela esperou, pacientemente, me vigiando com o olhar imparcial, me rondando como uma loba. Quando percebi que não escaparia, dei-lhe o dinheiro. Um real. Não me faria falta mesmo, eu era mais que ela, tinha um real para dar, tinha maquiagem na bolsa. Eu era mais, repetia comigo mesma, numa tentativa inútil de compensar minha fraqueza, minha covardia. A mulher pegou a moeda, examinou-a e, sem dar-me qualquer importância, sorriu um riso camuflado, diabólico. Depois foi embora sem sequer olhar para trás e, logo em seguida, abordou um senhor, e depois uma outra moça. Eu, que estava com ódio dela, um ódio incompreensível mas real, a observei. Ela contava as moedas, rindo como se trapaceasse. Um garoto, mais sujo do que ela, lhe estendeu a mão, certamente pedindo um real. Ela negou, apertou contra o peito as mãos abarrotadas de moeda e sorriu com olhos iluminados. Havia uma ganância ingênua em sua expressão, um medo imaturo. Sua inocência era seu trunfo, seu álibi. Ela era tudo, menos uma trapaça.