E FOI ASSIM...

A tarde fria e multicolorida de um inverno silente, parecia aquecer de forma misteriosa a saudade que teimava em aflorar tal qual primavera que derramava flor sobre flor em manhãs de verão, sob folhas outonais.

Uma misteriosa mistura de estações se desdobrava na alma requentada de requintado agito chamado lembrança.

Buscou assento e quase sem querer/perceber, se viu diante da alva página faminta por confissões, não se fez de rogada ( talvez não tivesse escolha),se apossou de caneta e deitou rabiscos cúmplices no tal papel.

Escreveu uma carta/bilhete,quem sabe ao certo,quem poderá definir o que nem a alma consegue explicar como ato/fato!!!?

Começou aflita quase correndo nas entrelinhas paralelas traçadas mentalmente nas fibras de celulose,parecia que iria lhe faltar tempo ou fôlego,sabe se lá.

" Meu caro amigo, escrevo em uma gritaria ensurdecedora que agita meu silêncio mais intenso e profundo,buscando forças em minha fragilizada alma,cicatrizando as feridas que teimam em se deixar expostas como a me lembrar que de mim você se foi.

Caminhei meu amigo pelas mesmas tardes coloridas, sob o manto das estrelas incandescentes,volitei por entre nuvens e quase pude flutuar nas brumas marinhas, como fazíamos tempos atrás.

Ouvi a lua entoar serenatas,conheci a voz do mundo que silencioso ambalava uma cantiga de ninar.Acalanto.

Brinquei na areia ainda morna e desenhada pelo (des)capricho das marés.

Entrei em órbita,voltei a terra e quase pude te (re)encontrar entre os canteiros de flores do campo que se misturavam aos pirilampos.

Mas me recordei amigo, que a vida é uma estrada sem volta onde só há a certeza absoluta de seguirmos em frente e com um pouco de sorte, sairmos ilesos das lutas cotidianas.

Vi seu sorriso já amarelado pelo tempo, pendurado na parede da minha memória, ouvi um sussuro do que foi sua voz nos labirintos da saudade.

Precisei correr pelas cores de arco-íris para me deixar cair nas macias nuvens de lágrimas que se formavam e traziam invariavelmente uma tempestade na alma.

Não, claro que não morri de tanto abandono, a saudade não me devastou a vida e aos trancos e barrancos segui em frente.

Mas meu amigo, engraçado me referir assim a você que partilhou minha cama, mesa e até meu banho,a vida segue acelerada, o mar que bate/rebate na areia, jamais repete a mesma espuma.

Escrevo para dizer que ainda estou viva, mas não enviarei essa carta/bilhete a você. Não. Essa mensagem/rabisco/rascunho/reflexo de vida é apenas e tão somente um lembrete a mim mesma de que ainda resta uma gota de ar fresco e um pouco de lágrima prontos para manchar uma página em branco".

Se levantou do assento, enxugou as lágrimas e caminhou sorrateira ao espelho,sorriu para si mesma, escolheu um batom rosa romântico e coloriu os lábios.

Saiu enfim,rosto desfeito, cabelos ao vento,corpo envolto nas nuances sonoras de mais um final de tarde e apenas se sabe contar sobre ela que uma nuvem cálida passou voando baixinho, deixando apenas como rastro,um ligeiro tom de rosa no ar.

Como veio se foi, se esvaiu nas entrelinhas da saudade daquele que sentado sozinho em um banco da praça, olhava as estrelas que desenhavam no firmamento a imagem de quem se foi sem nunca ter deixado de permanecer.

Pena que precisou acordar e não houve tempo para ler as linhas deixadas enquanto as páginas ainda não tinham sido editadas pela vida.Apenas chorou e caminhou pela quase noite,pensando o que seria se houvesse sido...

... Mas ainda teve tempo de colher uma gota rosa que bailava sobre uma derradeira flor/estrela. Seguiu sonhando acordado com o futuro que abortou no passado.

Márcia Barcelos.

16/08/2011.

Márcia Barcelos
Enviado por Márcia Barcelos em 16/08/2011
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