Uma Tarde Com Layla

O que eu iria fazer?

Estava de folga outra vez daquele pasquim indecente que continuava pagando partes das minhas contas e me exasperando por total falta de criatividade. O frio ia e vinha. Os dias passavam iguais: eu acordava pelas nove da manhã, ia ao banheiro e depois tomava um banho morno e um suco de tomate, ligava o computador, um pouco de música e escrevia. Estava me debatendo com um conto sórdido sobre amor desperdiçado. Não conseguia por fim a tudo aquilo. Não queria me tornar um assassínio de personagens arrogantes e desagradáveis que eu insistia em criar. Fumava um cigarro pelo meio da manhã e quando ficava entediado ia até o bar mais próximo para uma cerveja ou duas antes do almoço. Bebia e comia e depois voltava para casa escrever mais um pouco e estava num estupor tão grande que apenas via vídeos e fazia a sesta. Quando acordava, tomava mais suco de tomate para rebater e voltava ao mesmo boteco e ficava tomando o quanto queria. Voltar para casa e dormir para recomeçar o ciclo no outro dia. Era uma boa vida, na verdade. Pura vida vegetativa. Não produzia nada para o próximo e que produzia era destinado a mim mesmo. Uma tarde decidi fazer algo diferente e liguei para a Layla. “Que tal se dar uma tarde de folga”? Esse era meu discurso. Ela topou e combinou de me encontrar na porta de um shopping que ficava bem próximo ao escritório de advocacia que ela estava trabalhando. Profissional liberal aos 23 anos. Por essas e outras que eu não largava o osso. Claro que eu também sabia que nossas vidas não estavam indo a lugar nenhum. E quem impôs a regra que tem que se ir sempre a algum lugar? Ótimo. Eu precisava comprar um par de sapatos porque estava quase de pés no chão. Dinheiro não seria problema. Consegui pagar as despesas e ainda sobrara algum, minha restituição de imposto de renda já estava depositada e ainda tinha mais vindo de alguns trampos como free lancer. Nada mal. Chamei um táxi e dei o endereço ao chofer. Paguei e dei dois reais de gorjeta. Ela – linda e cheirosa – já me esperava na porta. Beijos ardentes, afagos em seus cabelos e abraços apertados. Eu gostava daquela garota. Do meu jeito, bem entendido. Mas, gostava dela. Amor é para guitarrista. Gostar para pessoas de verdade. Isso aí. Ela precisava sacar dinheiro no banco e a acompanhei. Peguei um pouco da máquina só para os cachorros da rua não mijarem nas minhas pernas pensando ser eu um poste. Os malditos judeus que inventaram esse sistema estavam cobertos do razão. Ou você pagava o preço ou estava excluído e dormindo ao relento com um pedaço de papelão. Até os loucos e os mendigos se vestiam. Em farrapos. Mas se vestiam. Faz sentido para você? O cara não tem casa, posses ou família. Mas tem roupas. Pense nisso e veja sua sanidade se esvair do seus neurônios direto para o ralo. Que dúvida.

A Layla guardou seu dinheiro na bolsa e fomos caminhando. Ela queria sorvete. Comprei-lhe um de casquinha e a garota que atendia o balcão me olhou com uma cara desinteressada e me serviu. Passei para minha bela dama que sorriu abrindo covinhas em suas bochechas rosadas. Se me perguntaram o que mais me atraia na guria eu responderia no ato que eram seus olhos, cabelos e aquele nariz que lhe dava uma aparência de descendentes de franceses aristocráticos que eram. Ah, e seus pés delicados. Ela morria de excitação e se contorcia quando eu lambia seus dedos nas preliminares da relação sexual despudorada. Layla era cheia de tesão. Culpa minha. Eu é que tinha criado uma menina cheia de sensibilidades. Eu tinha lhe apresentado à sutilezas que essa “nova geração” iria vomitar e ter engulhos se soubessem que existem. Deixa para lá. Isso é para quem pode e os anos 1980 nunca mais vão voltar e quem não esteve lá não sabe que puta década perdeu. A última que teve algum romantismo e ideologias coerentes. Foda-se. Sentamos em uns sofás enquanto ela tomava seu sorvete de pistache e eu a beijava um pouquinho e ela retribuía.

-O que você tem hoje, Carlo? Tá impossível. Tá amável & romântico.

-Saudades de você. Você tá me dando ideias. Respondi.

-Calma, que a tarde nem começou. Vamos ver o que tem no cinema.

Ela terminou sua casquinha, levantou-se pegou minha mão e fomos até o cinema. Escolhemos uma película baseada na obra ( obra? ) do Paulo Coelho por pura falta de opção. Duas horas daquela mesma merda que ele escreve. Bocejei do primeiro ao último minuto e a Layla sorria quando olhava para mim. Eu estava desconfortável na cadeira desde os primeiros quinze minutos, mas apenas segurar a mão daquela beldade enquanto ela tentava se concentra no filme me bastava. Eu gostava da sua companhia. Às vezes. Nas outras eu preferia a minha própria companhia. Não o qual a atração uma sala de cinema afeta nas pessoas. Gostariam essas de pagar uma grana para compartilhar suas emoções ou eram apenas idiotas que não faziam nenhum sentido? Eu ficava sempre com a segunda opção. Não que eu seja misantropo. Não suporto aglomerações de pessoas onde quer que vá. Ademais, isso não é nada higiênico. Terminado o filme ela queria trocar impressões e lhe disse que era outra armação do “Mago” para pegar trouxas. Ela concordou e fomos andando atrás dos meus sapatos. Nada cara e nada que tomasse tempo. Um sapato preto de amarrar, de preferência de um material que durasse décadas. Encontramos uma loja e escolhemos o que eu queria. E o vendedor demorou tanto tempo para me atender que eu resolvi deixar para lá. Um grupo deles conversava a dois passos de onde estávamos parados e não fizeram nenhuma menção de nos atender e nos miravam com cara de enfado e que estávamos atrapalhando alguma coisa. Picamos para outro canto.

-Essa gente não quer vender? Layla perguntou-me.

-Essa gente não quer viver. Esclareci-lhe.

Continuamos andando e conversando. Ela queria um presente prático para o aniversário de uma amiga que estava por esses dias e achou uma imagem de Santo Expedito. Não me perguntem o que é isso. Foi a Layla que me disse o nome da figura esculpida em um material qualquer. Cada maluco com sua mania. Entrei em outra loja, escolhi o que queria e novamente ninguém para me atender. Peguei o sapato e fui até o caixa para pagar. A atendente era uma baixotinha, jovem, de óculos com uma cara de burra e sonsa. Disse-me em tom agressivo e com um sotaque caipira que eu teria que falar com o vendedor. Repliquei-lhe que era exatamente o que tinha tentado fazer sem sucesso. Ela virou o rosto com uma expressão de asco e horror. Decidi que aquela loja não teria meu rico dinheirinho e dei meia volta pegando na mão de uma perplexa Lay que me acompanhou. “O que acontece com essa gente”, ela perguntou. “Medo do fracasso, medo de tentar, medo no novo & do diferente, medo da vida & da morte e nenhum instinto de sobrevivência” vou que eu lhe disse. Ela levantou o cenho direito e pareceu entender. Ainda estava pendente a situação do meu sapato. Os velhos all star já apertavam meu calo e meu joanete, eu precisava beber um trago. Achei outra loja, mas o preço era proibitivo. Resolvi fumar cigarro fora do shopping e preparar um novo plano de ação. Conversava com ela enquanto fumava e olhava para um dia frio e azul da capital. Joguei longe a bituca e retornamos para ver se conseguimos fechar a “epopeia do sapato”. Finalmente consegui cinco minutos depois e coloquei nos pés, jogando aqueles tênis furados e surrados na lata de lixo mais próxima. “-Que chique” a Lay comentou. Dei-lhe um beijo no rosto e decidimos comer alguma coisa em algum lugar. Onde, às três horas da tarde e em Curitiba? Aviso aos turistas que planejam conhecer essa província esquisita: não venham, vocês vão morrer de fome. Se perigar, duas horas da manhã você não encontra nem pizza e nem cachorro quente e depois das duas e meia da tarde nem sanduíche. Decidimos andar sem rumo e indo em direção ao meu apartamento. A Layla entrou em um café de fresco. Estavam por todas as partes. Os cafés e os frescos. Não tinham mais nem o trabalho de disfarçar e andavam pelas suas com seus maneirismos, afetações, estridências vocais & um mau humor típico de gentinha mal resolvida. Minha menina pediu um expresso e eu pedi um irlandês carregado no uísque mais uma porção de pistaches e pães de queijo recheados e uma água sem gás. A garçonete me lançou um olhar de puro ódio enquanto anotou meu pedido. E demorou algum tempo para nos servir. Se o mundo estivesse enlouquecendo que enlouquecesse sem o velho Carlo Malta aqui. Se não queriam seus empregos desinteressantes que estudassem para passar num concurso público, tivesses colhões de pedir a conta e entrar no mundo do crime ou estourar seus miolos. Foda-se o próximo. Eu quero viver sem ser incomodado. Nem bêbado eu incomodo. Porra!

Ficamos conversando baixinho enquanto a garçonete se enrolava com nosso pedido e reparei que toda aquela bicharada esquisita estava nos olhando. Alguns faziam cara de bunda para a Lay enquanto outros lhe reservavam um olhar de zombaria que eu interpretei com apenas como frustação. Ela era uma linda mulher, eles apenas uma caricatura grotesca do que eles imaginavam ser feminilidadede. Ou seja, farsas em pele de seres humanos. Não dei bola. Fui lá para fora fumar um cigarro. Um veado óbvio aproximou-se de mim e pediu o fogo. Nem levantei o olhar, puxei meu isqueiro do bolso e acendi na minha calça de veludo cotelê preto. Encostei a chama na ponta do seu cigarro e ele fez um movimento para pegar meu acendedor. Fechei a tampa e extingui a brasa com um elegante meneio de pulso e escorrei para dentro do meu bolso frontal direito de onde ele tinha saído. A boneca deu a tragada na minha cara e saiu rebolando aquele bundão flácido e estúpido que não deve ter tomado todos os chutões que merecia. Terminei meu cigarro e voltei para dentro. Lay conversava com outro veado mais velho e quando sentei o papo acabou. Claro que aquele péssima profissional tinha errado do meu pedido. A água veio com gás e o pão de queijo estava murcho e comuniquei isso a ela e disse que não iria pagar um centavo pelo pedido errado. A garota fez menção de aprontar um escândalo e me adiantei mandando chamar o gerente que ela informou não estar eu lhe disse para preparar outro irlandês que eu iria esperar o tempo que fosse. Ela me mandou esquecer a conta. Mandei vir outro café. A Lay apenas ria. Já estava me conhecendo bem. Comemos e bebemos, porém não estava saciado. Levantamos sem pagar e fomos caminhando até um lugar se eu sabia que finalmente seriamos bem atendidos. O Bar do Eslavo a duas quadras de onde eu morava. Ele tinha acabado de abrir e nos saudou efusivamente apertando nossas mãos e oferendo uma mesa discreta atrás de um biombo em linha reta com os banheiros do outro lado. Trouxe cinzeiros limpos (um dos poucos lugares na cidade que não tinha sucumbido à caretice e a truculência dos antitabagistas mais mal educados. Os deseducados e ignorantes são os não fumantes porque os fumantes sabem dos seus direito e deveres e que também pagam um imposto a mais)e colocou uma toalha quadriculada impecável na mesa.

-Outra noite nesse bar? Perguntou a Lay.

-Quer ser bem atendida? Ou esperar horas por um café?

-Você jogou seus tênis no lixo. Confortáveis seus sapatos novos? São muito bonitos.

-Confortáveis sim, querida. Espero dure o que tenham valido o trabalho que tive por eles. Respondi-lhe.

Pedi meia dose de uísque escocês e uma cerveja gelada para rebater. A minha bela dama pediu vinho rosé. Ficamos bebendo e sorrindo um para outro enquanto comentávamos a merda do filme que tínhamos assistido e como o Paulo Coelho escrevia cada vez pior e suas detestáveis técnicas de marketing que a imprensa ficava fomentando por total falta de assunto. Bebi por mais umas duas horas e resolvi ir até o mercado próximo. A Lay disse que iria me esperar no bar mesmo porque no porre que eu estava eu poderia arranjar confusão.

Não, babe, essa noite não. Vou cozinhar para você e o único esforço que vou fazer é o de te levar para cama. Bêbado ou sóbrio.

Falei?

Geraldo Töpera, Curitiba 15 de agosto de 2011, 26 graus celsuis , inverso.

Geraldo Topera
Enviado por Geraldo Topera em 15/08/2011
Código do texto: T3161475
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