O pequeno Cesare
Mary ainda era uma mulher especial. Enquanto lia seu pocket book, o “Manifesto Comunista”, na varanda de casa, observava as crianças brincando no quintal do vizinho em frente. As crianças corriam para lá e para cá sem destino, umas atrás das outras. Algumas vezes caíam na grama, rolavam, riam e cantarolavam. E a tarde se seguia.
Uma das crianças era especial. Seu neto Cesare, de seis anos. Olhos fortes e determinados, o pequeno aprontava das suas. Certa vez apanhou um punhado de pedras, se escondeu atrás da cerca e, após o vizinho ao lado sair com sua mulher para o mercado, invadiu a garagem do “inimigo” e atirou as pedras contra as janelas. Coisa de moleque!
Doze dias de castigo. Sua avó ficou decepcionada. O garoto era criado com todo amor e carinho. Mas Cesare era teimoso. Outra vez roubou bananas do seu Fernando e, escondendo-as embaixo da blusa, jurou para sua avó: “eu não peguei nada vovó! Não peguei!”
Alguns anos mais tarde, depois que saia da escola, passava na esquina e assobiava para Laura, sua parceira de infância e juventude. Com a parceria os golpes eram mais complexos, mas davam melhor retorno. E assim a fama de Cesare no bairro foi crescendo. Noutra vez foi Seu Valdemar. A campainha tocou e quando saiu foi surpreendido por Laura no portão pedindo um favor. Pediu que olhasse se seu gato não estava perdido por ali. Enquanto falava, Cesare entrara na casa de Seu Valdemar e furtara os relógios, cordões e outros objetos de menor valor. Mas não deu certo. De fininho, esgueirou-se, tentou passar desapercebido mas o filho de Seu Valdemar, apelidado de minhoca, o viu e iniciou uma gritaria daquelas. Cesare devolveu os pertences . Mas manteve a fama.
O tempo passou. Cesare tinha 17 anos agora. Recebeu algumas pancadas da vida. Mas não desistiu. As vezes ia para a casa da sua avó. Mary já não era mais a mesma. Lendo o seu mais novo pocket book, “Receitas Maravilhosas da Ofélia”, passava as tardes fazendo bolos, doces e outros quitutes.
Foi nesta época que Cesare descobriu uma área nunca antes explorada do enorme quintal de Mary. Atrás da horta, depois da amendoeira e antes do abacateiro, algumas plantinhas chamavam a atenção do menino. Num arremate, prostrou-se no chão, catou algumas delas, escondeu sob a blusa e foi para casa. O pequeno Cesare havia descoberto porque sua avó tinha tantos amigos. Lembrou até de uma vez em que, quando acordou, havia uma névoa muito forte dentro e fora da casa. Quando respirava fundo, sentia uma certa sensação de torpor.
Quando a avó saiu, o garoto foi até o portão, chamou os outros moleques que estavam na rua e disse: “po galera, to com um bagulho aqui maneiro, vai?”.
***
Veja mais em www.arrematesvaldirianos.com.br