Dr. Mário

Dr. Mário

Cinco minutos. Mais cinco minutos e eles saberiam. Não estava com medo. Na verdade, sabia, seu destino já estava definido. Fora delineado quando se apaixonara por Eduardo. Fora definido quando, contra tudo e contra todos, resolvera assumir essa relação. Tanta gente infeliz, inclusive ele, só Eduardo parecia sempre bem, de bem com a vida, de bem com todos. Mas não estava sendo justo: também era feliz. Pelo menos, na maior parte do tempo. A insatisfação ficava por conta de não ter mais acesso à casa paterna, não ter estado com a mãe nos seus últimos momentos, não poder conviver com a família que tanto amava e por quem sempre se sentira amado. Impossível não lembrar do riso, algumas vezes chegando às lágrimas, nos encontros na casa da vó Tina... Os aniversários... Os natais.... Era lembrar e se emocionar, como agora. Conteve-se. Não era o momento para perder o controle. Não na frente de estranhos que lhe lançavam olhares fortuitos, curiosos, recriminadores... Ou seria sua imaginação?

Apertou, disfarçadamente, a mão de Eduardo. Ele parecia não estar presente. Desde que chegaram, abrira a página trezentos e vinte de Pequenos Burgueses e quem não o observasse por mais de dez segundos diria que estava lendo, compenetrado, envolto na história. Mas bastaria um olhar mais longo, atento, e perceber-se-ia que Eduardo olhava (enxergava?) além da página aberta, além do livro. Seus olhos sequer se moviam, sequer piscavam. Ele o conhecia bem. Há três anos conviviam diariamente, aliás, em janeiro próximo seriam quatro anos. Trabalhavam juntos, sócios de um bem sucedido escritório de arquitetura, e moravam no loft que desde então partilhavam e que haviam decorado como quem prepara um refúgio. Viajavam juntos, dividiam cada acontecimento, fosse alegre ou triste, bom ou nem tanto.

Agora essa espera, não desejada, não esperada... Imposta pela vida, pelas circunstâncias e, apesar disso, necessária. Ou não?

Ele ainda se perguntava de que valeriam as respostas, se estas só serviam para criar novas perguntas. Eduardo havia sido taxativo: não podemos fugir, teremos que enfrentar e juntos conseguiremos. O que só para ele parecia claro era que, se a resposta fosse positiva, haveria uma cobrança, uma culpa, ainda que de forma silenciosa. E isso era o que mais lhe incomodava. Sabia o quanto Eduardo era inocente; no entanto, tinha certeza, Eduardo se culparia, se cobraria. E isso não era justo, com nenhum dos dois. Ele entrara na relação consciente do que isso implicava, ele pagara o preço. E não se arrependia. Eduardo fora sincero desde o primeiro momento, tão sincero que o chocara.

Sorriu ao lembrar os detalhes daquele almoço de negócios que passara a ser o primeiro encontro deles. Respirou fundo e se levantou atendendo o chamado da secretária: - Sua vez, Dr. Mário!

Ana Janete
Enviado por Ana Janete em 08/08/2011
Código do texto: T3147709
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