Navegante de pequeno curso
Houve um atuante navegador de médio curso, que não via em sua imensa prole quem pudesse herdar sua arte para levar adiante a atividade que lhe dera até certa relevância. Seu filho mais velho trabalhara no cais como estivador, mas acabara despedido desonrosamente. E, sem condições de encontrar outro emprego em face de suas reduzidas aptidões, passou a acompanhar o pai em suas rotineiras viagens, prestando-lhe assistência em pequenas tarefas, servindo-lhe cafezinho e acendendo seu cachimbo enquanto o navegador estava no timão. E em terra carregava seu saco de viagem.
Depois o pai, pelo conhecimento que possuía, conseguiu às duras penas empregar o rebento-problema no armazém portuário, onde ancorava seu barco.
Usando do prestígio do velho, aquele filho mesmo sendo medíocre, obteve, sabe lá como, uma credencial náutica para viagens de longo curso, inclusive para viagens intercontinentais. O pai soube, e com um meneio de cabeça riu conformado e indulgente. Mesmo com uma sombra de amargura seu coração paternal chegou a leva-lo sonhar grande a seu desastrado filho, esperando que pudesse superar-se.
Um dia, sem deixar aviso, o velho navegante partiu para sua última viagem, deixando seu grande barco ancorado.
O primogênito então chamou para si aquele espólio. Iria dar continuidade ao que seu pai fora, repetindo suas viagens e ir mais adiante, singrando mares nunca dantes navegados pelo velho. E bem que tentou, mas não conseguiu ir muito além, ficando encalhado em bancos de areia, causando transtornos e prejuízos aos passageiros e donos de carga que não mais o procuraram.
Tentando mostrar que poderia desempenhar a arte do pai, o pretenso navegante ainda tentou conduzir outras embarcações menores, exibindo aos passageiros suas credenciais internacionais, provocando risos e caretas pelas costas, pois era estranho que alguém detentor daquelas credenciais acabasse ao leme de pequenas e insignificantes embarcações.
Alguns, em consideração ao velho pai, ainda tentaram investir no herdeiro do barco, mas os resultados foram frustrantes.
A herança acabou soçobrando diante das procelas e do tempo.
E o suposto navegante, insistindo naquilo para o qual não nasceu e nem conseguiu se moldar, sem nenhuma aptidão, ao oferecer seus serviços, não obteve receptividade, mesmo sem ônus, obrigando-se a ficar com seu já reduzido, inseguro e ridículo barco ancorado em um píer abandonado, de onde vez ou outra ele dá algumas voltinhas. Mas ninguém o acompanha ou lhe serve de passageiro, apesar das credenciais náuticas que ele presunçosamente ostenta, a não ser, vez ou outra, um lunático que vagueia pelo cais.