O CONGRESSO
Uma garoa fina teimava em cair,exigindo dos motoristas atenção redobrada ao transitarem pelo estaciomamento do centro de convenções.Mais cuidado ainda tinha quem já havia estacionado seu carro e se transformado em pedestre, para não tomar um banho da água empoçada que era,vez por outra,espargida pelos veículos que passavam em maior velocidade.
Gustavo não estava com pressa;afinal,tinha duas horas para "zanzar" pela exposição comercial antes do início do curso que iria fazer.Deixou seu carro bem próximo a entrada do envento e foi caminhando com a serenidade dos justos.
Quando colocava o pé na marca de concreto que delimitava o fim do território dos veículos ouviu uma voz meio nervosa meio severa falar:
__O senhor não pode colocar seu carro aí.A vaga é para os deficientes.
Um fiscal advertia um dos congressistas que acabara de parar o carro numa vaga especial.O homem saiu do veículo mancando muito e disse:
__Eu nem vou discutir isso com você.Estou no meu direito.Sou deficiente.
Disse isso e foi com a mulher na direção da entrada do evento,deixando o fiscal resmungando sozinho.
Gustavo percorreu a distancia até o pavilhão logo atrás do casal.Milagrosamente ele percebeu que,a medida que eles se distanciavam do estacionamento,o "deficiente" mancava cada vez menos,até chegar ao ponto de dar uma corridinha para pegar a bola de futebol que uma criança chutara para longe,apesar dos avisos da mãe.Antes de devolvê-la,ainda fêz uma embaixadinhas.Milagres da fé.
Colocou seu crachá e entrou na exposição comercial.Não andou nem cem metros e deu de cara com cinco colegas de faculdade.Estavam todos,de um modo geral,com mais quilos e menos fios de cabelo.
__Peçanha!Chega mais cara!
Aquele modo de ser chamado,pelo sobrenome,trouxe-lhe uma nostalgia;não aquela nostalgia ruim,que faz a pessoa lamentar a passagem do tempo,mas sim uma sensação boa de reencontrar velhos amigos e poder compartilhar uma porção do presente com eles.
Depois dos cumprimentos,a conversa:
__Você não mudou nada ! __elogiou Carlos
__Mudou sim!__protestou Roberto,antes que Gustavo pudesse agradecer o elogio__olha o cabelo mais ralo no alto da cabeça e a barriguinha começando a aparecer.
__Eu confesso:estou mais velho__brincou Gustavo,batendo no lado esquerdo do peito com a mão direita fechada.
__Vocês viram a Franceli?__Rafael perguntou com ironia no olhar.
Todos entreolharam-se por alguns segundos sem nada dizer.Rafael,que sempre fora o "repórter esso" da turma,completou a informação:
__Ela foi naquele programa de televisão,não me lembro o nome agora,para mostrar uma nova técnica de implantes com carga imediata.
__Ela sempre gostou de um holofote,não é?__Julio entrava no papo destilando um pouco de veneno,e emendou:
__Quem sabia da vida dela era o Mário...
Pego de surpresa com a lembrança de um simples namorico de faculdade,Mario entrou no clima :
__Esses fatos só poderão ser revelados após a minha passagem ao plano espiritual...
__Encontrei com o Jurandir no estacionamento__Rafael atravessou a fala do amigo e deu outro "furo"__Ele está com aquela caminhonete da toyota..
__O Jurandir vive dos aluguéis que o pai deixou para ele...__sibilou Carlos
__Quem tem um lastro deve mesmo aproveita__contemporizou Roberto,que em seguida perguntou:
__E você Gustavo?Já casou?
__Não.Estou "tico tico no fubá".E essa é a pergunta que eu mais respondo lá no consultório quando atendo pacientes que retornam depois de algum tempo de ausência.
__Esse pessoal é mesmo fofoqueiro__comentou Rafael,para logo depois ser encarnado pelos colegas por criticar seus "irmãos de vício".
__Eu estou no segundo casório.__comunicou Roberto
__Eu e o Julio estamos na pista há quatro meses__disse Mário,sorrindo.
__ Também estou separado;só que há mais tempo,um ano__prosseguiu na trilha das confissões de incompetência amorosa Rafael.
__Pelo visto eu sou o único que estou com minha mulher até hoje,não é?__concluiu num tom indefinido Carlos.
Rafael não perdoou a deixa:
__Cada tarado com a sua mania!
A gargalhada foi geral.O tempo passou rápido,como geralmente passa quando estamos nos divertindo.A hora do curso chegou e Gustavo teve de se despedir,não sem antes pegar os e-mails e os números dos celulares de todos.Não queria perder aquela turma de vista.
Dentro da sala onde seria ministrado o curso sentiu-se aluno mais uma vez,apesar dos mais de vinte anos de profissão.
Ao dirigir-se ao estacionamento,ao fim da atividade científica,coincidentemente acompanhou o "deficiente" e sua esposa no caminho de retorno ao carro.O fenômeno que acontecera na ida acontecia de maneira inversa agora,e o homem,a medida que se aproximava de seu veículo,mancava cada vez mais.Era o milagre desfazendo-se.
Deixou o espertalhão de lado e seguiu em frente.Aquele era apenas o primeiro dia de congresso.Coisas boas iriam acontecer nos outros três dias,tinha certeza...