Joãozinho Faz de Conta... a estória de um garoto órfão e analfabeto que nas letras encontra uma mãe, uma amiga e o seu futuro
Joãozinho era um rapazinho curioso. Cabelos de índio, olhos de tigre sempre desafiadores, seu rosto era um pouco quadrado, mas nada que diminuísse a beleza daquele rapaz ousado.
Era apenas um bebê quando havia sido abandonado em uma lixeira. Foi encontrado pela dona Xica, uma velhinha meio biruta, mas de um coração grandioso. Ela era catadora de lixos, daí entende-se por que ela o achou naquela lixeira daquele bairro famoso, “Dom Pedro”. Mas bem, o garotinho cresceu, , o tempo passou e ele se tornou um garoto sem maldade, cheio de vida, simples, humilde. Tinha quatorze anos e nunca havia freqüentado uma escola. Ficava lá, vendo todos os dias, a garotada, indo e voltando com suas mochilas e livros. Felizes e uniformizados. E ele ali, sujo com seu carrinho de compras. Acompanhado de sua mamãe que já estava tão velhinha que andava toda encurvadinha pela rua, cansada e avoada como sempre.
Assim que terminava seus afazeres, após revender todo seu lixinho para o Sr. Morais, da reciclagem, ele seguia para sua casa que ficava lá perto do viaduto da rua treze, num aglomerado de casas do governo, que abrigava várias famílias pobres. A casa tinha apenas três cômodos e um banheiro. Mas ele cuidava tão bem da sua, que parecia um pequeno palácio de tão limpa que ficava. Depois do banho ele saia correndo, pegava sua bicicleta velha, aquela que seus colegas chamavam de transplante ambulante; isto porque era montada com as peças que ele encontrava no lixo, e cada peça de uma cor diferente, rosa, amarelo, azul, preto, branco, parecia uma bicicleta fantasiada para um desfile de carnaval. Mas ele não se importava, mantinha ela sempre limpinha, e ia pela rua à pedalar seguindo para sua fábrica de sonhos. Passava em frente a padaria e o padeiro dizia, lá vai o Joãozinho faz de conta, e assim se seguia, o açougueiro, o pedreiro, todos que o conheciam assim o chamavam.
Ele percorria cerca de 6 km para chegar ao seu destino, a biblioteca municipal, lá ele entrava e escolhia livros, se sentava sozinho na sua cadeira próxima a janela, e folheava, como se soubesse realmente ler, ele até que conhecia algumas letras, tentava aprender sempre outras novas, mas tinha vergonha de que a bibliotecária e os outros leitores soubessem que ele não sabia ler. Ele adorava as histórias, que conhecia pelas gravuras. Pinóquio, Cinderela, Branca de neve e os sete anões, Os três porquinhos, O pequeno polegar, e ele a se deliciar com aqueles desenhos. Ficava horas lá dentro. A Dona Dalva, bibliotecária, sempre comentava com todos que ali chegavam: Aquele é meu leitor preferido, o Joãozinho. Assíduo, vem todos os dias e adora ler contos infantis, é um menino educado e responsável. E ele entrava e saia todos os dias.
Certa vez um de seus vizinhos, que não era lá uma pessoa muito amiga o viu na biblioteca. Ué menino, tá aí fazendo o que com este monte de livros se você nem sabe ler?
Todos olharam pra ele, surpresos, ele tinha uma pilha de livros ao seu lado. Dona Dalva estava lá sentada, o olhando, e ele todo sem graça vendo todos o observando saiu correndo chorando, montou em sua bicicleta transplante e saiu voando. Pedalava tão rápido que no meio do caminho ao passar por um buraco caiu e quebrou seu braço esquerdo. Foi parar no hospital onde o ortopedista lhe colocou um gesso.
Estava lá deitado na cama, quando recebeu uma visita por demais estranha. Era Dona Dalva, a bibliotecária, que em seus braços um livro carregava. Ela disse:
- Oi menino, como está seu braço?
Ele ainda meio sem graça.
- Tá quebrado. Ela sorriu. - Bem trouxe-lhe um livro.
Pra quê, se eu num sei lê. Ele disse de cara amarrada.
Fiquei sabendo de seu apelido, procurei saber onde você mora, e descobri o que havia lhe acontecido. Joãozinho faz de conta... gostei. Fazia de conta que sabia ler, e fazia isso tão bem que me enganava. Vou deixar este livro com você e amanhã voltarei pra te visitar novamente. E ela foi embora deixando aquele livro. Foi só ela sair e Joãozinho o pegou com a mão boa e abriu sua primeira página, e lá estava aquele bicho lindo, o tal da arara, e debaixo dele uma letrinha, esta ele conhecia era o “a”. Ele então logo soube o que a Dona Dalva queria. No outro dia lá estavam eles, ela mostrava a letra e dizia. Está vendo! Este é o “E”, de elefante. E ele repetia. E esta qual é, perguntava ele animado. Ela respondia, veja o animal ao lado. Parece um urubu. Pois é este é o “U”. E ele saiu do hospital. Foi pra sua casa, não podia trabalhar, e todos os dias a Dona Dalva ia visitar. O tempo passou e uma forte amizade ali se consolidou. Ela era sua professora. No ano seguinte ele entrou pra escola mas não deixou de ter lições com aquela gentil senhora. O tempo foi passando e ele se tornou um belo homem. Sua mamãe caduquinha havia morrido. E ele seguia estudando. Se formou e arrumou um bom emprego, graças a indicação de Dona Dalva. Decidiu fazer faculdade, trabalhava de dia, estudava á noite, e seguiu até se formar mais uma vez, mais ele decidiu nunca parar. Queria ser professor, e professor um dia ele se tornou. Dona Dalva se encheu de orgulho. O menino Joãozinho cresceu, aquele seu único aluno.
No dia de sua formatura na faculdade ele fez uma linda dedicatória para as duas mães que cuidaram dele tão bem.
E foi lá que Dona Dalva resolveu lhe contar uma história.
João, vou te contar algo que nunca contei pra ninguém. Eu te tenho como um filho. Você entrou na minha vida de um modo mágico. Mas eu não sou uma pessoa tão boa como você pensa. Quando ainda era uma jovem, tive um filho, mas não o queria, tinha medo e o coloquei em uma lixeira... suas lágrimas escorriam pelos olhos, percorrendo sua face já enrugada pelo tempo... o deixei em um bairro rico pra que pelo menos fosse educado bem... nunca mais o vi... me arrependo tanto disso!
Joãozinho perguntou onde ela havia o deixado?
- O deixei no bairro Dom Pedro...
Uma forte sensação tomou aquele homem a sua frente, ele chorava feito uma criança, soluços incontidos, lágrimas guardadas em um submarino naufragado arrebentaram suas escotilhas e jorraram para fora de seu ser, ele não se conteve, não importava o tempo, os erros, foi um momento de redenção. Ele abraçou-a com tanta força em meio a um turbilhão de emoções. Ela retribuía o abraço sem saber o por que de tanta emoção.
Estou aqui mamãe... ele dizia entre riso e choro... sou eu, aquele bebê que minha mãe Xica encontrou na lixeira... sou eu seu filho perdido.... aquele mesmo que você ajudou a educar... eu sempre estive do seu lado... sentado naquela cadeira fazendo de conta que você lia histórias pra mim enquanto eu admirava as figuras... sou eu, seu filho mamãe... o seu Joãozinho.
Dona Dalva caiu de joelhos em meio as pessoas naquela cerimônia, não sabia se agradecia a Deus ou se pedia perdão ao filho que a segurou pelos ombros e a levantou, dizendo que nunca sentiu mágoa dela, pois sua mãe biruta dizia que sua verdadeira mãe não era má, era apenas uma pessoa com problemas, e o havia ensinado a não ter este tipo de sentimentos. Ele a abraçou e todos aplaudiram aquele momento mágico.
E daquele dia em diante não era mais Dona Dalva, era mamãe, e o laço que os unia ficou ainda mais forte, e o Joãozinho continua estudando até hoje, com uma diferença, ele não faz mais de conta.... ele é muito feliz com sua querida mãe Dalva.
Fim!
Esta é uma republicação, pois amo este texto e me dei de presente de dia dos pais...rsrsrsrs...