O estagiário do hospital
Era o meu primeiro dia de estágio no Hospital Municipal. Desde que eu havia ingressado na faculdade de Enfermagem, meu sonho era ficar o mais próximo possível dos doentes, auxiliá-los no que fosse possível, tentar acalmar as dores, não só as do corpo como também as da alma, essas que não tem remédio a não ser a compaixão. Sempre gostei de ler e adorava a todas as matérias, principalmente anatomia, pois assim eu entendia melhor o corpo humano e seu funcionamento.
Cheguei o mais cedo possível ao hospital. Entraria somente às dez horas, mas minha ansiedade era tamanha que às oito eu já me encontrava lá em frente. Uma de minhas professoras me avistou, sorriu e fez um sinal com a cabeça para que entrássemos juntos. Rapidamente obedeci, tal meu nervosismo de compreender, na prática, a minha profissão no futuro.
Passei por um imenso corredor, repleto de pessoas, algumas com feição dolorosa e outras nem tanto, algumas em macas, outras alegres por estarem recebendo alta médica. Minha professora me chamou para entrar em uma das salas, para me explicar como seria meu procedimento ali. Assim que entrei, sentamos e começamos a conversar sobre meu primeiro dia:
- Ângelo, é um prazer ver que está entusiasmado com o seu estágio. Devo lembrar-lhe, contudo, que ele não é remunerado...
- Não faz mal, professora – interrompi rapidamente – minha vontade é de aprender, na prática, as teorias que estudamos na universidade.
-Pois bem – exclamou ela – fico feliz assim. Por ser seu primeiro dia, encaminhá-lo-ei até a ala da Pediatria, onde uma de minhas companheiras de trabalho lhe passará as coordenadas e as regras do hospital. Lembre-se, contudo, de nossa ética: mesmo sendo pacientes infantis, nem todas as suas vontades podem ser respeitadas, para não prejudicar o tratamento.
Concordei com minha mestra e, encerrada a conversa, subimos para a Pediatria. Era um local estranho, com poucas luzes, as paredes pintadas metade branca e metade amarela, alguns desenhos foscos de desenho animado na parede, descascados pela ação do tempo. Fui apresentado à colega de minha professora, a Enfermeira Miriam, que delicadamente me cumprimentou e me conduziu ao posto em que eu deveria ficar: na internação.
Nunca gostei de internação, e creio que ninguém jamais gostou de ter que ficar fora de casa, em um hospital repleto de doentes, sem poder comer aquilo que desejasse, preso a uma cama hospitalar, furado de seringas e sem liberdade para se levantar a hora que quisesse. Se os adultos odiavam essa situação, imaginem então como as crianças deveriam se sentir. Resolvi entrar na seção de internação infantil e conhecer meus futuros pacientes.
Na hora que adentrei ao recinto, pude me reparar com alguns médicos que, na verdade, pertenciam a uma trupe teatral. Eles se vestiam de palhaços, faziam brincadeiras com algumas crianças, contavam histórias e faziam piadas inocentes. Tudo isso para alegrar um pouco os pobres anjinhos que ali se encontravam e que, nesse curto momento de alegria, esqueciam das doenças que os mantinham presos naquele local.
Após observar cada um dos pacientes que ali se encontravam, rindo e alegres, meu olhar se voltou para um que estava no canto, ao fundo do quarto, e que pouco se importava com a trupe circense que ali estava para animá-los. Perguntei ao médico responsável o motivo pelo qual o pobre menino estava melancólico, e ele chamou-me em um canto fora do quarto e me informou o problema:
- Esse paciente que você está vendo é o Lucas. Ele sempre está internado aqui. Atualmente, seu quadro é de pneumonia, mas o menino é soropositivo. Contraiu a doença na gestação, visto que a mãe estava infectada. O problema maior agora é que a mãe do Lucas faleceu, e ele ainda não sabe da notícia. Ele anda desconfiado, pois, na hora das visitas, ela sempre vinha visitá-lo e lhe trazia um brigadeiro. Da última vez que veio, ela prometeu trazer ao menino um urso de pelúcia que ele tanto desejava, só que ela não pode realizar esse sonho do garoto.
Fiquei chocado com a situação. Assim que os Doutores da Alegria saíram do quarto, fitei meu olhar no olhar do menino, triste e solitário. Sem agüentar, fui lá conversar com ele:
-Olá, rapazinho. Já sei que seu nome é Lucas. Eu estava reparando que, desde quando os Doutores da Alegria estava aqui, você sequer se animou com a presença deles, nem quis brincar ou se divertir...
- É minha mãe, tio – gemeu baixo o menino – ela ficou de me visitar e já tem alguns dias que ela não aparece. Tô com medo e com saudades dela.
Sem saber o que fazer, respirei fundo e disse-lhe, contendo o soluço:
- Ora, às vezes ela esteve tão ocupada preparando alguma surpresa para você que não teve tempo de vir aqui visitá-lo. Pode deixar que, na hora do meu almoço, vou falar com o médico e tentarei ligar para sua mãe, tudo bem?
Os olhos do garoto brilharam, e a alegria em seu rosto não se fazia presente desde que eu entrei no quarto. Sabendo da morte da mãe de Lucas, na hora de meu almoço comi rapidamente, desci até a avenida principal que ficava a alguns quarteirões do hospital e comprei para ele um dos ursinhos de pelúcia que, caso fosse criança, gostaria de ter. Chegando novamente ao hospital, corri até a cantina e comprei um brigadeirão, embrulhei e subi até a Pediatria, onde o menino estava internado.
Esperei até que fosse o momento oportuno, quando as crianças deveriam estar dormindo e chamei Lucas bem baixinho, entregando-lhe o embrulho com o tão sonhado doce e o ursinho de pelúcia que ele tanto queria. O garoto não pode conter o sorriso no rosto e eu, com o coração apertado, disse a seguinte frase ao menino:
-Lucas, sua mãe disse que não pôde vir porque estava preparando uma surpresa linda para você lá na sua casa. Mesmo assim, eu fui falar com ela, que me pediu que entregasse o que lhe havia prometido.
Com um aperto tremendo no peito, me despedi do menino com um beijo em sua testa e pude ver a sua sensação de sonho realizado. Um médico que estava me observando, ao longe, sorriu e me cumprimentou pela atitude. A Enfermeira Miriam, após alguns minutos, me chamou e me parabenizou pelo primeiro dia de estágio, visto que fui elogiado pelos demais profissionais.
Era sexta-feira, e meu horário já tinha se cumprido. A Enfermeira Miriam e eu combinamos que na segunda-feira eu estaria de volta ao hospital na mesma ala, na Pediatria. Meu final de semana foi angustiante, não conseguia me esquecer da alegria do menino Lucas e de como aquele pequeno gesto o animou. Fiquei pensando em como ele reagiria ao saber da notícia da morte da mãe.
Na segunda-feira, como combinado, fui novamente ao hospital. Não conversei com ninguém, subi rapidamente à ala de Pediatria para ver como estava Lucas com o seu novo ursinho de pelúcia. Quando entrei no quarto, reparei que o leito onde o menino estava internado encontrava-se vazio. Fiquei feliz, pois ele deveria ter melhorado, mas, ao mesmo tempo, imaginava a sensação de tristeza do garoto ao perceber que não teria mais a mãe com ele. Nesse momento, a Enfermeira Miriam se dirigiu até mim para, novamente, elogiar minha pontualidade e meu trabalho na semana anterior. Não me contive e perguntei:
- Vi que o leito onde Lucas estava internado está vago. Fiquei feliz por saber que ele melhorou. Quando ele teve alta?
- Ele não teve alta, Ângelo. Lucas teve uma piora em seu quadro de pneumonia e faleceu ontem à tarde. Mesmo assim, ele se lembrou de você, e agradeceu pelo carinho que teve com ele na sexta-feira, quando trouxe o brigadeiro e o ursinho de pelúcia que ele tanto queria.
Miriam não se conteve e percebi que seus olhos se encheram de lágrimas, assim como os meus. Voltei ao leito onde Lucas estava hospitalizado e, de perto, observei o ursinho de pelúcia dele que ainda estava lá. Como eu havia dito na sexta-feira, a mãe de Lucas não o tinha visitado, pois estava preparando uma surpresa especial para ele: no céu, ela preparava uma bela nuvem, macia e aconchegante, para o novo anjinho que estava voando para lá.