“A Oeste nada de Novo”…na Capital nada de novo…

Noite na Capital falsamente adormecida…

Cá nada se passa, o que me faz lembrar a frase final de um livro, frase que resume falsamente esse livro…

“A oeste nada de novo”…

Frase de um livro sobre a primeira das guerras modernas, frase do último dia de guerra onde morreu o último soldado, mas como a frente está calma, nada se passa, apesar da morte desse homem…porque nada se passa, apesar da morte desse homem que viveu toda a guerra, acabando por falecer nos derradeiros minutos dessa guerra…

A oeste nada se passava, como aqui nada se passa de facto, a Capital está calma, pacifica, mas eu sei que algo de muito grave se passa algures um pouco por todo o lado no meu país, menos aqui, se bem que é apenas uma questão de tempo tal chegar aqui, altura em que tudo vai de facto mudar, apesar de estar a mudar de facto, mas enquanto nada chegar á Capital as coisas vão continuar a acontecerem sem a tal mudança, a mudança pela qual se sacrificam todos os dias os meus irmãos e irmãs…

Nada se passa na Capital, mas pela Grande Rede de comunicação, pela globalização eu sei que algo de muito grave se passa…

Pela televisão oficial eu vejo civis armados com meras espingardas, ou mais raras, armas automáticas que as autoridades dizem terem sido tiradas a soldados e usadas contra esses mesmo soldados, “bandos de terroristas ao serviço de interesses estrangeiros” que justificam a intervenção das forças da ordem para repor essa ordem, mas por outras televisões, as estrangeiras, vejo que as coisas não são como as autoridades da minha nação dizem…por telefonemas que me fazem amigos e familiares das cidades sitiadas ou ameaçadas…demasiadas…

A Oeste nada de novo…

Erro…

Por todo o lado algo de novo, de tenebrosamente novo…

Não que não estivéssemos habituados a tal, de certa forma sempre vivemos assim, submetidos, a diferença, a mudança de paradigma é que todo o povo decidiu reagir desta vez, todo um povo se recusa agora à submissão ancestral, primeiro tribal, depois pela mão dos colonizadores britânicos, e desde a independência pela mão de cidadãos que se dizem iguais a nós, mas que tirando a mesma nacionalidade e o facto de serem humanos, em nada são iguais a nós…tudo nos separa…demasiadas coisas nos separam…

E as imagens, aliadas aos testemunhos que ouço de quem lá está são atrozes, mesmo para os padrões da minha terra…

E Perante essas imagens os meios de comunicação internacionais insistem em dizerem que "a autenticidade ainda está para provar..."...sim...devem serem comuns massacres do tipo existirem por todo o lado...tão comum que se coloca em dúvida a autenticidade das ditas, apesar das bandeiras sírias nas casas, dos retratos do presidente, e das marcas nacionais nos tanques...sim...a autenticidade de facto é difícil de comprovar...

Mais difícil de comprovar é a legitimidade de uma reacção internacional mais enérgica do que banais sanções que nada fazem, porque os nossos aliados de sempre nos protegem, porque a mesma Rússia que deixou cair rapidamente uma Líbia onde as coisas são muito mais calmas do que aqui, decidiu apoiar de forma quase incondicional o nosso presidente fantoche que obedece às ordens da sua minoria religiosa que envia hordas de tropas sufocar com sangue uma imensa maioria…Porque essa mesma comunidade foi célere em nos convidar e convencer a fazer parte da grande coligação que se formou contra os nossos irmãos iraquianos em 1990, foi célere, mas agora assobia para o lado ou faz-se simplesmente de parva, quando em causa está a violação dos mesmos direitos humanos que uniu um exército coligado de mais de um milhão de homens mas que agora nada faz…Porque o que está em causa na realidade não são esses mesmo direitos, mas sim o petróleo, sempre o petróleo, a única coisa que leva a comunidade internacional a intervir no médio oriente…Sendo que os tais “direitos humanos” são apenas uma desculpa esfarrapada para convencer as opiniões publicas ocidentais do que está em causa são razões económicas, energéticas e não a vida, a liberdade de milhões…

Porque o que deveria estar em causa é o direito de cidadãos terem os mesmos direitos que o Ocidente se orgulha de possuir, porque ao quererem esses mesmos direitos os cidadãos do deserto são impiedosamente massacrados, perante o cómodo silêncio desse mesmo Ocidente…

Porque para legitimar o seu silêncio só podemos achar normal que um exército haja dentro das cidades Sírias como agisse num campo de batalha, disparando sobre civis como se disparasse sobre soldados armados, deve ser uma visão comum na América, na Europa, devem ser comuns o quase genocídio por motivos políticos e religiosos…Sim…é comum como o foi na década de 90 do século XX quando um antigo país Europeu chamado Jugoslávia foi vitima das mesmas atrocidades, por motivos semelhantes, perante o mesmo tipo de silêncio que leva a Comunidade Internacional a quase ignorar-nos…

Porque as coisas podem piorar e bem se o mesmo povo massacrado se armar a sério, deitar mão a alguns dos paióis que proliferam pela Síria, e que por enquanto estão a salvo, porque se o povo acede a eles, o banho de sangue que se seguirá fará parecer uma brincadeira de crianças o que se passa agora…Porque os ódios acumulados de décadas são de tal ordem, que se houver uma mínima paridade de forças o que se poderá seguir passa por ser o pior de todos os cenários…

Mas de facto nada se deve passar, na Capital, tal como no resto do mundo, basta desligar os tais botões de comunicação para nada de facto se passar, porque por muito alto que gritem os massacrados e violados de todas as idades, de todos os sexos, os seus gritos não se ouvem quando os botões estão desligados…

Mas acreditem, esse tempo vai chegar, é uma questão de tempo, esse tempo irá chegar porventura mais depressa do que se imagina…

E no entanto, hoje morreram mais algumas dezenas de pessoas, esventradas por granadas de tanques, dilaceradas pelas balas, feridas pelo silêncio global e globalizante, mas de facto nada ouço…

“A Oeste nada de Novo”…na Capital nada de novo…

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 03/08/2011
Reeditado em 03/08/2011
Código do texto: T3137247
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