O milagre


      Acordou cedo, pegou o revolver que estava escondido dentro do sapato debaixo da cama. Vestiu-se: camisa regata, bermuda colorida e chinelas havaianas azuis. Roberto era um jovem que gostava de aventuras, sempre saia com os amigos para farrear e se divertir sem se preocupar com nada. Naquele dia estavam com ele os seus três amigos inseparáveis, eram eles: Fernando Generoso, um cara estranho, que ria de dez em dez minutos, mas do que ele ria nem ele mesmo sabia explicar, Zacarias, divertido, rapaz simples, baixinho e simpático como aquele do programa “os trapalhões” do qual herdou o apelido e, por ultimo Celso, sujeito de mil e uma faces que ia do correto ao incorreto em questões de segundos se as circunstancias assim o interessassem.
      Roberto tinha dezessete anos e era um ano mais novo que os demais. Fumou seu primeiro baseado aos doze, e aos dezesseis tomava chá de cogumelo enquanto ouvia musica nos pontos mais altos da cidade, gostava tanto de curtir os efeitos alucinógenos dos cogumelos que muitas vezes comia-os aos pedaços mergulhando-os em leite moça para tirar o gosto de mofo do fungo; ele era uma espécie de cobaia humana da loucura, tomava de tudo, experimentava de tudo, mas, nunca injetou – em meu sangue não deixo injetar nem vitaminas – ele sempre dizia com um orgulho mórbido. Aquele quarteto era um barril de pólvora, se reuniam quase todos os finais de semana e feriado em busca de diversão, drogas e aventuras.
       Era dia doze de outubro, dia de Nossa Senhora de Aparecida, a padroeira do Brasil. Escolheram o campo de aviação da cidade como paisagem para mais uma das suas festinhas movidas a álcool e muitas drogas. O lugar ficava quase sempre vazio, já que avião ali era ate difícil de dizer de quanto em quanto tempo aterrissava. Já com uma quantidade considerável de maconha e vodka na cabeça, Roberto sacou a arma e sem que os outros percebessem atirou em direção a uma arvore. Todos levantaram assustados, e ele riu como uma criança inocente e ao mesmo tempo covarde. Passado o susto a arma foi de mãos em mãos sendo manipulada; Ora um ora outro um tiro em alguma direção disparava.
      Algumas horas depois Roberto foi surpreendendo com a arma apontada para sua cabeça, era Zacarias, que com um olhar de bandido e palhaço lhe disse: _ vou te matar! Roberto sem se desesperar pediu para Zacarias que parasse com a brincadeira – ta duvidando eu vou te matar mesmo – disse Zacarias com a arma agora a alguns centímetros apenas da cabeça de Roberto que estava sentado na grama. Com um reflexo e uma agilidade que ate hoje nenhum daqueles jovens soube explicar, Roberto bateu com a mão direita no tambor do revolve no exato momento em que Zacarias puxava o gatilho. Com a mão cheia de pólvora Roberto procurava desesperado em seu corpo onde teria sido atingido pelo tiro. Enquanto isso, Zacarias caia desmaiado na grama como se o tiro tivesse saído pela culatra.
      Fernando e Celso olhavam espantados e ao mesmo tempo embasbacados como dois viajantes do tempo, com um olhar no que estava acontecendo e outro em um outro canto qualquer do universo... Roberto encontrou o buraco da bala no chão a uns dez centímetros de sua coxa direita e, só então suspirou aliviado, levantou-se e olhou para o céu enquanto passava desesperadamente as mãos pelos cabelos. Ele nunca tinha visto a morte assim tão de perto. Nem mesmo em seus delírios psicodélicos movidos a vinho tinto e cogumelos a morte havia se mostrado assim tão de perto.
      Zacarias aos poucos foi se recompondo e quando por fim visualizou a imagem de Roberto vivo, sorriu aliviado e ao mesmo tempo caiu em desespero... – eu ia te matar Roberto - Zacarias dizia entre soluços e lagrimas. – para mim a arma estava descarregada, eu mesmo a descarreguei há pouco tempo atrás, queria só te dar um susto e quase te mato sem a intenção de matar. Então uma nuvem pálida tomou conta daquele lugar, e o que era farra virou drama. A loucura passou subitamente como se tivessem tomado um antídoto. E então um a um foram entrando no carro e fizeram o caminho de volta sem trocarem uma única palavra ate suas casas.
      Alguns anos depois Roberto e Zacarias se reencontraram na cidade de São Paulo, não se viam já fazia oito anos. Zacarias abraçou Roberto como abraça o filho um pai, e mesmo tantos anos depois tremia e com a voz embargada a única coisa que conseguiu falar foi: - eu ia te matar Roberto eu não sabia que aquela arma estava carregada...