Cagando com a porta aberta

Me acordei pelas cinco da manhã, estava chovendo e eu me mijando. Mijei tranquilamente e depois voltei pra cama. Não estava frio, nem muito quente, estava numa temperatura confortável. Com a temperatura boa, meu sono foi embora. Preparei um café e fui pensar na janela. O céu estava rosa, um vento úmido e quente batia no meu corpo, ventava forte. Era um bom dia de fato. Sem contar que eu estava acordado, era cedo e meu humor aparentava estar perfeitamente em bom estado, coisa que geralmente não acontece pela manhã. Pensei em não ir ao trabalho. Poderia ser uma boa. Poderia ficar em casa, naquela bela temperatura, escrevendo os poemas que eu estava por escrever. Já fazia tempo que eu não escrevia nenhum poema. Muita coisa estava guardada, querendo escapar pelos meus dedos.

É então que eu deixo a minha imaginação fluir. Sair levemente de minha cabeça para através dos dedos saltar para a máquina, até ter um esplendoroso acabamento em tinta. Onde havia impresso a estória de um garoto que andava sempre sujo e que nenhuma senhora aconselhava seus filhos a andarem com ele. Era rabugento, um tremendo sem vergonha desde cedo conhecido apenas como Farrapo. Mas ele nunca se importou com a sua má reputação pela pequena cidade. Não se importava em fazer nada direito e sempre se metia em alguma encrenca. A última a ter aprontado foi furar os pneus do carro do seu Talarico, um velho senhor que nunca deixava Farrapo chegar perto de sua fruteira, com medo que ele roubasse.

Gostava daquele garoto, sua estória ficaria ótima em qualquer livro infantil. Mas eu não podia fazer isso, gostava mesmo era de escrever poemas. Aí tirei o papel com a história do garoto e comecei a bater alguns versos na máquina de escrever. Escrever na máquina me deixava mais atraente, pelo menos pra mim mesmo. Eu poderia ter seguido com aquele garoto. Que grande confusão. Depois, aquilo tudo havia surgido por lembranças da minha infância e de livros que eu lia. Eu queria escrever sobre, mas algum babaca me chamaria de plagiador. Desgraçados... bem que poderiam fazer como antes e serem aliterados. Enquanto eu pensava no que iria escrever, bateram na porta. Lá estava um garoto esfarrapado, todo molhado e com o meu cachorro perdido há dois dias pela coleira.

Fiquei feliz por ter meu bom e velho amigo de volta, não existia companhia melhor que a do meu peludo cão Texter. Em recompensa para o garoto dei alguns trocados por ter trazido meu cão de volta e no fundo senti pena dele, mais por causa do seu estado. Depois de lhe dar as moedas, ele continuou parado na minha frente como se, em silêncio, pedisse algo. E então perguntei:

– O que foi? Não tenho mais dinheiro se é isso que espera!

E nada do garoto falar. Ficou um bom tempo me olhando e eu tentando entender. De repente ele responde de forma quase tranquila:

– Não, não quero dinheiro não, mas bom, é... Seria pedir muito que eu pudesse me secar?

– Não, não claro que não – respondi –, no banheiro à esquerda, tem uma toalha perto da pia, sinta-se a vontade.

E lá foi ele, parecia destrambelhado, mas pensei que poderia ser por causa das suas roupas molhadas. O acompanhei até a porta do banheiro. Pegou a toalha e começou a secar a cabeça, secava com muita força. Decidi perguntar alguma coisa, alguma coisa que me intrigava realmente:

– Então, onde foi que encontrou o Texter?

O garoto parou de se secar, segurou a toalha na altura do peito e perguntou:

– Encontrei o quê?

– O Texter, esse é o nome do meu cachorro.

– Não é o nome dele, ele se chama Total Flex.

– Total Flex? Não, não, o nome dele é Texter, eu coloquei esse nome nele.

– Pois primeiro acho que o senhor deveria se preocupar em secar o pobre do cachorro, ele está ensopado.

Fiquei um tanto quanto envergonhado e fui fazer isso mesmo. O garoto continuava somente secando a cabeça. Enquanto estava secando o Texter, encontrei no seu pescoço, pendurado um daqueles dizeres “Total Flex” encontrados nos carros. Estava pendurado e atado numa corda. Fui lá e perguntei para o garoto:

– Escuta, esse negócio aqui no pescoço do Texter foi você que colocou?

– Sim, é o nome dele, pra identificar, notei que ele não tinha uma plaquinha com o nome.

– E por isso então ele virou Total Flex?

– Sim. Não posso fazer nada, foi a única placa que consegui para ele. Tirei fácil de um carro...

– Mas isso é ilegal! Onde encontrou o Texter, ou Total Flex?

– Aí na frente da sua casa.

– Pois é, ele sempre vai ali na frente pra fazer as necessidades e brincar...

– Então, isso é uma irresponsabilidade. Peguei ele e coloquei até um nome nele. Depois, precisava de uns trocados. Como ele é de raça, peguei por um tempo, mas ele é muito chato.

– Você roubou meu cachorro?

– Não! Por acaso não está prestando atenção no que estou falando? Alias, olha, sua porta do banheiro não tem fechadura!

– Não tem, moro sozinho.

– E caga com a porta aberta?

– Sim, e daí?

– Por isso que o Total Flex fugiu!

Não pude deixar de rir um pouco daquilo. Acabara de me lembrar também que aquele garoto morava na rua, dormia embaixo de uma ponte. Se virava sempre, conseguia comida e dinheiro frequente. Estava explicado então como ele fazia. Antes que eu pudesse responder algo, ele me disse:

– Vamos fazer um trato, essa sua toalha não seca bem e o seu banheiro é indecente. Eu deixo você ficar com o cachorro e chamá-lo de Total Flexter, misturando os dois nomes pode ser que você fique menos chorão. Mas em troca, quero um saco de pão, um frango e vinte reais.

Meu coração mole fez com que eu desse a comida e o dinheiro. No outro dia, fui passear com o Texter, mas sem tirar a plaquinha, pois se encontrasse o garoto, gostaria de mostrar pra ele, sabe. Um homem parou, olhou o cachorro, viu a plaquinha, se apresentou dizendo ser vítima de um roubo do emblema Total Flex do seu carro. Me acertou uns socos e se foi com o emblema. O pior de tudo foi lembrar-me que fazia dois dias que eu não ia ao trabalho.

Shauldin e Dollee
Enviado por Shauldin em 02/08/2011
Reeditado em 03/08/2011
Código do texto: T3133849
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