CRER OU NÃO CRER? EIS A QUESTÃO
Após várias geadas, fenômeno que ocorria com certa regularidade em nossa região, minha família se viu diante da possibilidade de colher uma boa produção de café e com isso a necessidade de construir um terreirão. A construção do terreirão era fundamental, visto ser a única técnica que os pequenos produtores conheciam para secagem do produto.
Meu pai escolheu a área, comprou no comércio da cidade mais próxima o material necessário e foi à obra. Como meus irmãos conheciam um pouco da profissão, dispensou-se a mão-de-obra, o que reduziria os custos da construção.
A obra corria normalmente, nivelou-se o terreno e dividiu-se em retângulos de aproximadamente um metro de largura por dois de comprimento onde pavimentava-se um a um com intervalo, ou seja, pavimentava um, pulava um e pavimentava-se o outro e assim sucessivamente até concluir a obra. Essa prática é muito comum para facilitar a concretagem e criar juntas de dilatação, evitando assim a ocorrência de fissuras com o passar do tempo.
Logo no início da construção, ocorreu um fenômeno que chamou a atenção, em um desses retângulos, a argamassa não secava. Em um primeiro momento, meus irmãos acharam isso normal, dado a pouca experiência nesse ramo, mas, passaram-se dois, três dias e nada de secar, então perceberam que algo estranho estava ocorrendo ali. A notícia desse fenômeno espalhou pela vizinhança e começaram-se as especulações.
Levantaram-se vária hipótese e dentre tantas, uma eu lembro bem que era o afloramento de água do subsolo, logo descartada, pois os retângulos ao redor secaram e mesmo que fosse assim, o cimento apesar da umidade consegue certo grau de dureza. Essas especulações se estenderam por uns vinte dias aproximadamente sem a tão esperada secagem, e depois de vários palpites, surge finalmente uma explicação, é um fenômeno sobrenatural.
Quem fez essa afirmação foi Elza, nossa irmã mais velha e conhecida nas redondezas como conselheira espiritual, rezadeira, benzedeira, curandeira e outros adjetivos, muito comum a esse tipo de atividade religiosa e que até então tinha permanecida calada sobre o assunto.
Estávamos todos reunidos na hora do jantar e falando evidentemente sobre o caso em questão, quando de repente, Elza entra num estado de transe, recebe seu “guia” e de modo solene esclarece:
— Esse pedaço do terreirão não secou porque está exatamente sobre o túmulo de um índio e nada no mundo vai fazer isso secar se não conseguirmos o consentimento de seu espírito, que permanece aí guardando sua morada. Ninguém ousou duvidar ou contestar, até porque Elza exercia grande influência sobre nós, inclusive sobre meus pais, ela era realmente uma líder espiritual.
Essa afirmação foi algo impactante, todos se silenciaram e permaneceram calados por longos segundo que mais pareciam uma eternidade, só quebrado por papai, que parecia estar escolhendo as palavras certas para se dirigir à entidade.
— O que pode ser feito para conseguir essa permissão? Você pode nos ajudar? Perguntou papai.
Seguiu-se mais um longo silêncio, como se estivessem consultando algo superior, quando finalmente ela disse (o guia):
— Hoje mesmo vou fazer um trabalho nesse sentido. Vamos ver o que vai acontecer...
Ficamos na expectativa e na hora da seção, fomos todos para o “centro”, uma construção no sítio onde ela dava atendimento ao público duas vezes por semana. Elza através de seu “guia” passou a entoar cânticos estranhos que eu nunca tinha ouvido, nem os demais membros da família, passou a falar numa linguagem totalmente desconhecida. Esse ritual se estendeu por várias horas, quando finalmente e já exausta ela encerra os trabalhos e anuncia, de maneira curta e simples:
— Conseguimos. Amanhã já pode usar o terreirão. Agora vamos dormir que estou muito cansada.
Fomos todos dormir, mas acho que ninguém conseguiu conciliar o sono, tamanha era a ansiedade que logo amanhecesse para poder conferir o resultado. O fato é que ainda no lusco fusco da madrugada todos estavam lá, inclusive eu que era criança, não tomamos nem café, fomos direto para o terreirão, e para alegria geral, estava tudo sequinho, como se nada estivesse acontecido.
Até hoje eu busco explicação lógica para esse fato e ainda não consegui uma resposta que me convença. Não sei se todos os fenômenos a ciência pode explicar e nem sei até que ponto a espiritualidade tem influência em nossas vidas, mas de uma coisa tenho certeza, ninguém é dono da verdade e esse caso especificamente vou ter sempre na memória, assim como meus irmãos e alguns amigos que vivenciaram o fato.
Se houvesse ocorrido nos dias de hoje, com o avanço tecnológico de que a humanidade dispõe, certamente esse fato teria causado grande alvoroço nos meios científicos e na imprensa, principalmente se partimos do pressuposto que para todo e qualquer fenômeno que ocorre na Terra existe uma explicação científica e lógica, mas, como o fato se deu por volta de 1967, num pequeno sítio encravado no extremo noroeste do Paraná e de difícil acesso à chamada civilização da época, fica apenas o relato baseado nas lembrança de uma criança de seis anos.
Crer ou não crer? Eis a questão.