O velho Jorge
Conheci o velho Jorge há muitos anos, de imediato percebi em poucas palavras e atitudes que se tratava de um ser humano com personalidade e modo de vida bem peculiares, seguro de si e com muitas estórias para contar.
Jorge tinha na época sessenta e cinco anos, muito forte ainda, com voz de barítono, um afrodescendente a mais ou menos 80%, era oficial de justiça e também advogado, tinha dez filhos e pelos nomes destes depreende-se o grau de egoísmo e o sentimento de posse do amigo: Jorgenilda, Jorgenice, Jorgenildo, Jorgenaldo, Jorgencio, Jorgenalicio, Jorgenalita, Jorgenália, Jorgevaldo e o caçulinha Jorge Junior, todos formados e encaminhados como o velho jorge gostava de frisar.
O mestre Jorge era ex-combatente da segunda guerra mundial, contava que não disparou um único tiro, mas em compensação namorou muito as italianas e inclusive tinha um filho loiro por lá pelas montanhas da Itália, chamado Jorgito.
Cidadão soteropolitano morador antigo do bairro de Itapoã, onde já dizia Vinicius: “é bom passar uma tarde em Itapoã’’ imagine-se então viver por lá. Diziam os vizinhos que Jorge estava aposentado há muitos anos, porém todo santo dia ele vestia seu terno de linho branco impecavelmente engomado e saía, retornando tarde da noite, segundo ele, cansado de tanto trabalhar. Dona Amélia a santa esposa de Jorge convivendo há mais de 45 anos reclamava muito da sua ausência, pois com os filhos crescidos ficava sozinha em casa.
Certa feita testemunhei o seguinte dialogo entre o casal, com Dona Amélia reclamando:
- Jorge, já vai sair de novo!
Respondeu o velho Jorge:
- Oh minha filha tenho que trabalhar para sustentar a família!
- Mas eu vou ficar aqui sozinha!! Eu e Deus?
Jorge para na porta de saída, olha comovido para a companheira e filosofa com sua voz grave:
- Então vou tranquilo amor... que você está em excelente companhia.