Um dia de sorte
Era uma rua com muito movimento. Ele precisava de dinheiro. As contas de água, luz, telefone, todas atrasadas. A carteira estava jogada no meio-fio.
Ele olhou para os lados. Ficou desconfiado. Podia ser brincadeira de alguém. Poderiam puxar uma linha na hora que ele se abaixasse para apanhá-la, depois correriam rindo e ele passaria a maior vergonha.
Muitas pessoas passavam e ninguém via a carteira caída. Ele se aproximou. Ficou cerca de dez minutos parado sobre ela para que não a vissem. Esperou mais um pouco para ver se o dono apareceria. Não apareceu.
Abaixou-se discretamente fingindo que amarrava os sapatos. Pegou a carteira, encostou-a ao corpo, levantou-se e foi embora.
Ele caminhou três quadras, escolheu uma rua com pouco movimento para abrir a carteira e ver seu conteúdo.
Quando abriu viu um grande volume de dinheiro, talvez mais do que ele ganhava em três meses de trabalho duro.
“Cem, duzentos, duzentos e vinte, quatrocentos, quinhentos e vinte, setecentos e dez... Mil cento e dez.” Contou enquanto colocava no bolso da camisa para não misturar as notas.
Ficou pensativo. Deveria devolver. Tinha que devolver. Era sua obrigação devolver. Ele era uma pessoa digna. Honesta. Uma boa pessoa. Era uma pessoa de boa índole, seja lá o que isso queria dizer.
A pessoa que perdeu poderia precisar daquele dinheiro do mesmo modo que ele também precisava e deveria estar procurando a carteira agora. Poderia ser dinheiro para pagar uma cirurgia ou comprar remédios.
Era muito dinheiro. Quitaria todas as suas contas no banco, depois faria uma boa compra e ainda lhe sobraria muito para o outro mês.
Não! Aquilo não era seu. Iria devolver.
Sentiu o dinheiro em seu bolso. Um maço grande de dinheiro.
Resolveu procurar um endereço na carteira para devolvê-la ao dono.
Cartão de crédito, cartão do banco, papéis com anotações e diversos cartões de visita de empresas. Poderia ser de um vendedor e aquele dinheiro era o recebimento das mercadorias.
Enquanto ele estava absorto fuçando a carteira alheia não percebeu a aproximação sorrateira de um sujeito.
- Deu mole perdeu. Passa a carteira – disse o malandro mostrando uma arma.
Ele deu um pulo assustado.
- Vai, vai. Não tenho o dia todo – disse o outro.
Ele estremeceu. Nunca tinha sido assaltado antes. Olhou para o outro, era um tipinho franzino, pensou em sair em luta corporal com ele. Olhou a arma novamente: velha, enferrujada, provavelmente nem funcionava. No entanto, não precisava arriscar a vida pela carteira que nem era dele.
O outro pegou a carteira de suas mãos e correu, enquanto ele ficou ali estático e pensando que não conseguiu descobrir de quem era a carteira para devolvê-la.
Pensou no que diria para mulher quando chegasse em casa: que achara uma carteira, fora assaltado, que o ladrão levou a carteira de alguém que ele não conhecia, e que ele ficara com mil cento e dez reais no bolso enquanto o outro fugia com a carteira vazia.