O que aconteceu com o Valdo?

Se tem uma coisa que eu detesto é pessoa escandalosa. Engraçado que é o tipo de gente em que eu mais esbarro. Principalmente no ônibus. Tem sempre alguma senhora no celular falando alto para caramba que a comadre fez isso e aquilo, que viu no programa da Ana Maria Braga alguém fazendo algo assim e assado. Ou então são aqueles garotos metido á mano que ficam falando alto pra caramba que não sei quem é gostosa e que o fulaninho de tal tá mau.

Eu sou assim: muito na minha. Mas de vez em quando, você sabe, a gente fica curioso. Outro dia entrou duas mulheres no ônibus e começaram a falar de um caso aí de um cara que tava andando no meio do mato lá no interior.

Ele tava andando, voltando pra casa parece, e começou a ouvir um assobio. O assobio ia ficando mais perto e mais perto. "É onça!", disse a outra. Eu não entendi nada! Até onde eu sei onça não assobia.

"Onça quando tá preparando para emboscar alguém começa a soltar esses pios pra confundir o bicho", explicou ela. Não sei se isso é verdade, mas fiquei esperando pela continuação da história.

E o homem ficou com medo, colocou a mão no facão. Parou e ficou esperando o bicho aparecer. O assobio parou e apareceu no caminho dele um garotinho.

E aí? Só isso? Um garoto?

Aí, continuou ela, pulou um monte de garoto do mato. Cercaram ele! Um deles tinha uma espingarda e outros dois um facão. O garotinho que tava de frente pra ele disse então que era melhor o cara passar tudo que ele tava carregando pra eles. E o sujeito (o nome dele era Valdo) disse que não ia dar nada.

Nisso as duas se levantaram e desceram no ponto. E eu fiquei desesperado: mas o que vai acontecer com o Valdo?! Eu até pensei em descer naquele ponto também pra ouvir o resto. Mas aí vai que elas pensam que eu vou assaltar só porque to seguindo as duas! Nesse dia, na hora de jantar, fiquei pensando no que poderia ter acontecido com o cara.

Deu, assim, um dois dias e apareceu no ônibus a mulher que tava contando a história. Rapaz, eu tava tão curioso que pensei em me perguntar pra ela o que tinha acontecido com o Valdo. Mas já pensou? "Com licença, minha senhora. Eu tava ouvindo a sua conversa outro dia sobre o Valdo, ele tinha sido emboscado por um bando de crianças com armas. Só que vocês desceram no ponto e eu não pude saber o fim da história. Será que você pode me contar agora?" No mínimo, ela ia pensar que eu sou louco e pedir pro cobrador do ônibus me arremessar pela janela.

Aí eu tive uma idéia. Me levantei e fiquei olhando pra ela discretamente. Ela percebeu, eu me aproximei e disse:

-Ei, eu te conheço!Você não é amiga do Valdo?

Ela ficou me olhou da cabeça aos pés desconfiada.

-Eu sou irmã do Valdo!

-Ah, e como ele anda? Eu não vejo ele há muito tempo. Ele tá enrolado em alguma confusão de novo?

-Meu irmão nunca foi de confusão.

-Mas como ele anda?

-Ele anda bem, do mesmo jeito. Trabalhando no distrito e mentiroso como sempre. De onde que você conhece ele mesmo?

-Ah, nós trabalhamos juntos uma vez no distrito.

-Qual o seu nome mesmo?

-Tiago. Ele continua indo pro interior?

-Não, depois que ele tomou uma surra lá ele não voltou mais.

-Surra?

-Sim, de uns moleques. Ele disse que foi uns homens grandes pra caramba, na verdade era uns moleques. Você sabe, do jeito que ele é mentiroso tá sempre aumentando as coisas...

-Verdade!

-Você trabalhou com ele na Phillips?

-Sim!

-Mas ele nunca trabalhou na Phillips!

-Eu devo tá confundindo os nomes. Esse é o meu ponto! Deixa eu ir lá. Um abraço pra ti e seu irmão! Tchau!

E desci ali, mesmo não sendo minha parada. Mas pelo menos soube do final da história!