LINHA 007

L I N H A 0 0 7

Coincidentemente são 18:18 h, pego o coletivo descendo, para evitar o tumulto dos pontos do início de subida. O ônibus, uma lata de sardinha, velha por sinal e mal cheirosa. Se fosse pelo menos uma daquelas gigantescas lombrigas sanfonadas, das linhas leste-oeste.

Antes de contornar a rodoviária, na porta de um colégio municipal um ponto.

Entram crianças, mães e adolescentes. Uma algazarra de vozes e risos. Toques de celulares, quase uma trilha sonora, não ser encontrado hoje em dia é impossível. A tecnologia é aliada dos tagarelas de plantão.

E para piorar o rádio está ligado; na rádio terra, no último volume, com o Lázaro Santos atormentando deus e o mundo.

Risos estridentes ecoam, vindos das crianças e dos adolescentes, estes carregando mochilas coloridas e cheias de livros, coloridas como os seus sonhos.

Agora, uma parada em frente à rodoviária. Malas e mais malas vão entrando. Um senhor, típico do interior, desinformado, pergunta:

- Vai para o centro?

O motorista naquele jeito característico dos profissionais do volante faz que sim balançando a cabeça, para frente e para trás, sem se dignar a responder verbalmente ao solicitante.

- Quanto é a passagem?

O dito motorista olha o senhor e fazendo cara de pouco caso praticamente ordena:

- Antes de embarcar compre o SITPASS!

O futuro passageiro sem saber o que vem a ser o sit alguma coisa, volta a perguntar:

- O que é isso que eu tenho que comprar?

O motorista está desde 9:00 h da manhã dirigindo e agüentando passageiros de todos os tipos e gostos. Com cara de poucos amigos, e como que querendo briga, quase grita:

- O bilhete de passagem para este coletivo, roceiro! Cada um que me aparece.

Serenado os ânimos o ônibus começa se movimentar, eis que é quando uma senhora grita esbaforida:

- Pára motorista. Vou descer, peguei o ônibus errado!

Já estou atrasado e estas malas sem alça me fazem perder mais tempo ainda. Parece que elas não têm hora para nada.

A senhora desce e o ônibus prossegue.

Pára num sinal de três tempos. Os minutos deslizam como contas de um rosário: um, dois... dez, onze... Nossa! Já estou bem quinze minutos atrasado!

As fofoqueiras colocam as suas novidades em dia:

- A Shirléia está ficando com Claythoon.

- Ele é um gato!

- Gato e galinhão.

Lá mais para o fundo do ônibus a esperança por um emprego, também nos acompanha nesta viagem, que parece interminável:

- Fiz ficha numa empresa, ontem. Hoje fui chamado para entrevista.

- Você consegue cara, tem segundo grau e curso de computação.

Os minutos vão se evaporando, como se fossem segundos. Parece que o deus do tempo e a deusa da linha enrolada fizeram um pacto. O de enrolar esta linha sem um tempo determinado para terminar.

Ali do meu lado, toca um celular de modo tão irritante, que me dá vontade de esbofetear o dono, é daqueles toques como se fosse o apito de um trem de ferro:

- Alô! Estou no meu carro. É, cara, comprei um, zerinho, zerinho...

Outra parada. Sobe, com dificuldade, uma senhora de cabelos brancos. Um rapaz pergunta-lhe:

- Quer sentar?

- Grata; pela sua bondade, moço.

Mas que bondade, nada. Os lugares reservados são um direito dos idosos, é nosso dever respeitá-los e deixar-lhes o lugar disponível.

Um engarrafamento; entorno da Praça Cívica. Parece que houve um acidente envolvendo dois carros e um ciclista. O ônibus pára novamente. Os minutos continuam voando: vinte... trinta e cinco... Cada um ali dentro daquela sauna arrisca um palpite:

- O ciclista está ferido!

- Há dois feridos!

- O ciclista morreu!

Depois de muita lengalenga, chega a ambulância. O ciclista é levado. Ao que parece está vivo. O trânsito, finalmente, é liberado. Parece um carreiro de térmites, na azáfama de transportar comida, assim são os veículos enfileirados contornando a praça. A pressa neste horário faz parte do cotidiano de cada um a voltar para casa. Por falar em horário, que horas são? Olho para o relógio: 18:57 h. Meu Deus! Estou mais de quarenta minutos atrasado. Por que vim por esta linha?

Um passageiro que está parado antes da catraca, próximo a porta da frente, pergunta para outro passageiro que está após a roleta:

- O senhor me vende uma viagem?

O outro responde explicando:

- Vendo. Só que o dinheiro tem que estar trocado.

- Ah, mas eu só tenho esta nota de R$2,00 (dois reais).

- Pois não tenho os R$0,20 (vinte centavos) para voltar-lhe.

- Que se há de fazer? Preciso descer no próximo ponto. Dá cá este bilhete.

Outro sinal. Mas que linha difícil de desenrolar! O deus do tempo está contra mim e a deusa da linha enrolada está muito endeusada, para o meu gosto.

Uma parada na porta de um colégio. Crianças sobem, aos trambolhões, umas atropelando as outras, numa gritaria infernal. Mais gente sobe, outras pessoas descem, servindo ao deus do tempo, que adora atrasar o meu tempo. Agora já são quase cinqüenta minutos de atraso. Atrasado para jogar canastra, vê se pode!

O ônibus segue sua viagem, contorna uma rotatória, e entra no terminal Izidória. Finalmente o deus do tempo me dá um tempo e eu consigo me desenrolar da deusa da linha enrolada.

Desço do ônibus, me decidi, os próximos quarteirões até em casa vou a pé, são só mais dois pontos se fosse de ônibus.

O diabo é que não tenho muita opção, vou sempre ter que pegar os ônibus da linha 007 (Vila Brasília – Centro).

(janeiro/2006)

Aleixenko
Enviado por Aleixenko em 23/07/2011
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