NUMA TARDE DE VERÃO

As ruas do centro da cidade estavam bem movimentadas naquela hora. Pelas calçadas, era gente deslocando-se para cá e para lá, pessoas apressadas, talvez devido ao sol impiedoso, ou então pelos afazeres que não poderiam ser adiados. Mas, enfim, cada qual com suas preocupações, visando um objetivo a alcançar ou um problema a resolver antes que o comércio, ao entardecer, fechasse suas portas.

E eu apenas mais um no meio da multidão, e ia andando, percorrendo meu trajeto numa daquelas extensas avenidas. Como qualquer transeunte, não tinha tempo para deter-me por coisa alguma, nem para olhar a quem quer que fosse.

Nem poderia ser de outra forma. Onde é grande o número de pessoas, é ali mesmo que ninguém quer conhecer ninguém. A frieza humana impera, quase não se vêem crianças nos grandes centros urbanos, só adultos, ocupados e preocupados, que não se cumprimentam, nem se falam à toa.

Claro que sempre há algum mendigo sentado na calçada, de mão aberta e olhar suplicante. De cada mil transeuntes, passa um que se comove e, rápido para não ser notado, deixa ali qualquer coisa de valia.

Eu não gostava de dar esmolas, pelo receio de que o gesto me deixasse na situação de otário. É que sempre desconfiei da real necessidade desses pedintes de rua. Mas também não era tão cego, tão indiferente aos sentimentos alheios, e pelo menos percebia que as ruas agitadas não eram o lugar ideal para pobres ou ricos buscarem sua satisfação ou sua felicidade. E se para mim o bom seria estar em casa, a mesma ideia provavelmente estaria na cabeça de todos, sobre os quais se abatia aquele sol causticante.

Eu ia caminhando pela calçada. A alguns metros à minha frente comecei a notar uma cena curiosa. Uma mulher, preta, de uns trinta anos, carregava uma trouxa. Poucos metros atrás dela seguia um menino, talvez de três anos, que certamente era seu filho. O garoto, chorando, estava descalço e completamente nu. De vez em quando a mulher mostrava que não tinha a menor paciência, dava uns passos atrás e aplicava um tremendo tapa na cabeça do moleque para fazê-lo andar mais depressa. O pretinho chorava ainda mais, tentava acompanhar a mãe, mas ia ficando para trás. A mulher, com pressa e nervosa, gritava com o menino, voltava atrás e dava-lhe outro tapa, e ia em frente. Era evidente que o garoto, pelado, descalço e chorando, sofria muito na tentativa de acompanhar a mãe.

As pessoas que por ali transitavam percebiam a cena e pareciam dizer "não tenho nada com isso", que a mãe sabe o que faz e tal. Mas eu achava que a mulher estava abusando, descarregando as frustrações de sua vida em cima do pobre menino.

Meio indignado, resolvi tomar uma providência. Não era caso de eu interferir, que não sou disso. A ideia que tive foi ligar para o Conselho Tutelar, entidade que, pelo que eu sabia, tinha sede numa rua pouco distante daquela em que eu me encontrava. Contei o que se estava passando; a moça que atendeu mostrou interesse e disse que pessoas competentes iriam logo verificar o caso.

Já poucos minutos depois, encostou um carro que, pela margem da rua, andava lentamente, seguindo a mulher e o menino. Como as pancadas da mãe continuavam, sucedeu-se que desceram do carro um homem e uma mulher, que, sem cerimônia, abordaram a preta com a trouxa.

Eu parei e fiquei meio à distância, só observando, para ver no que ia dar. Pelo barulho da rua, não captei nada da conversação, mas vi que a mulher ficou ainda mais furiosa, xingando o casal que aparecera para repreendê-la. Todos falavam e faziam gestos, apontando para o menino, que era o centro de toda a encrenca. Por fim, o homem agarrou a mulher pelo braço e, quase à força, a obrigou a entrar no carro oficial, enquanto a moça do Conselho pegava no colo o menino. E foram-se todos embora, não sei para onde.

Suponho que a mãe não tenha recebido mais do que uma advertência e alguns conselhos. Pelo menos para acalmá-la um pouco. Mas o que importa dizer, para concluir esta narrativa, é que o menino, ao entender que iria entrar no carro, parou de chorar e até mostrou um sorriso de satisfação, de alívio de seu sofrimento. Estaria prevendo que alguma mudança, para melhor, estava para suceder-lhe, com certeza.

Egon Werner
Enviado por Egon Werner em 22/07/2011
Código do texto: T3112211
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