A cobra e Macuco
Pinduca era um caboclo amigo de meu pai que costumava nos visitar nos finais de semana. Era pescador e por isso vivia cheirando a peixe e cheio de histórias fantasiosas.
Um dia ele chegou em casa e depois de tomar o cafézinho disse do nada assim: Rapaz, tu não sabe! Se lembra do caso do filho da Marluce? Pois não foi a cobra, foi um homem!
Papai insistia que tinha sido a cobra que eles tinham matado e ele não.
-Foi o Macuco, foi ele!
Eu já fiquei curioso e perguntei que cobra era? A Boiúna? Pedi pra me contarem a história. Foi Pinduca que contou desde o início.
-No tempo em que seu pai morava lá perto de Novo Ayrão, um menino, filho de nossa comadre, Marluce, sumiu. Todo mundo ficou desesperado pra saber onde o garoto tinha se metido. Um amiguinho dele disse que viu ele pela última vez nadando num igarapé um pouco afastado. Pois um amigo nosso que morava ali perto do mesmo igarapé tinha falado ainda pouco conosco que viu da sua casa uma sucuri longa que só passar por ali outro dia e quase comeu seu cachorro.
Juntamo os fatos: o menino tinha sido pego pela cobra. Acontece que cobra quando engole gente, que é bicho grande, ela fica mais lenta e não vai muito longe. Nós combinamos com uns outros homens de caçar ela. Dando uma volta pelo igarapé. Num cantinho lá no fundo, quase na mata fechada, vimos aquele bichão estirado no barro. Com aquele calombo imenso na barriga. Pegar ela foi fácil, o difícil foi arrastar pra terra firme. Ela tentava se mexer, mas não conseguia. Quando a cobra tá se sentindo ameaçada ela vomita o bicho na hora. Ela fez que ia vomitar. Vomitou. No que ela vomitou, antes dela dá um bote ou se jogar na água, seu pai aqui pegou o facão e zac! cortou a cabeça da danada.
Pois então, ela tinha vomitado um bicho grande. Não dava pra saber que bicho era porque ele tava todo corroído já. Mas era gente, isso tínhamos certeza, porque dava pra ver as pernas e os braços secos. Só que achamos estranho que não parecia uma criança, parecia adulto, homem feito. Mas o pessoal achou de depois de quebrar os ossos do garoto ele tinha espichado um pouco. Foi dado como vingada a morte do filho de comadre Marluce.
Passou um tempo, ninguém mais falou nisso. Sendo que naquela época morava por lá também um sujeito até que simpático, o Macuco. Ele caçava passarinho que era uma beleza, ainda mais macuco, daí que veio o apelido. Macuco foi pra cá e depois pra Itacotiara. No domingo passado um compadre amigo meu que vive lá me visitou e me disse que Macuco tinha sido preso. Eu perguntei por quê, ele disse que Macuco tentou abusar de uma garotinha. Na delegacia ele levou um monte de porrada, quase tiraram o couro dele. E ele confessou todos os crimes que tinha feito. Em Novo Ayrão parece que ele matou dois meninos, um ele enterrou no mato e o outro jogou no igarapé.
Veja só! Ele contando que as piranhas iam acabar com o rapaz, a cobra foi lá e comeu e a gente botou a culpa nela. A cobra, coitada, não tinha culpa no cartório. E nem suspeitamos do Macuco! Se tu se lembrar, ele nem foi junto com a gente pra caçada. Foi todo mundo, menos ele. Agora a gente já sabe porque.
Meu pai ficou meio chocado com a notícia. Ainda mais porque ele era vizinho de Macuco.
-Isso pra tu ver... É o que eu sempre digo: o bicho mais perigoso é o bicho-homem!
Finalizou Pinduca acendendo o cigarro. Essa foi uma das únicas histórias de Pinduca da qual meu pai não contestou sua veracidade. Ele apenas ficou calado, pensando. E eu, que já tinha medo de cobra, adquiri um medo novo: de vizinhos!