Olhar Vazio
Olhar vazio
As ruas estavam cobertas pelo sereno da madrugada ,as pessoas iam se aproximando das paradas de ônibus,alguns poucos carros circulavam pela rua larga cujo canteiro central coberto pelo orvalho cintilava através dos pequenos arbustos que lhe percorriam.Ao fundo da quadra um pipoqueiro ia pedalando sua engenhoca tocando uma gaita ,mais atrás vinham dois rapazes com suas bicicletas jogando jornais aqui e acolá nas portas das pequenas casas coladas umas a outras.O céu reluzia um cinzento amanhecer e poucos pássaros a gorjeiar.Marina ali na parada protegida por uma grossa capa de gabardine ficava observando o pequeno movimento da manhã.Um rapazinho magro ao seu lado ouvindo seu mp3.E uma senhora de aproximadamente 50 anos ali com uma enorme sacola com aroma de pastel.
O ônibus parou e todos subiram.Marina sentou-se perto da porta traseira ao lado de uma moça entretida numa revista de modas.Olhou rapidamente a capa e sorriu,tinha uma igual em casa.Da janela úmida a quadra ficava para trás e outras surgiam a cada curva.Algumas paradas adiante subiu um homem ,sacudindo-se todo estava molhado.A barba por fazer trazia consigo uma maleta.Devia ser vendedor ou algo assim.Sentou-se na frente de Marina.Ela observou sua cabeça bem feita,e percebeu um sinal na face em forma de pera.Um pequeno sinal de pele mas bonito.Ficou ali encantada com o sinal do estranho a sua frente.Numa parada ele virou-se e seus olhos castanhos deram com os de Marina.Frios,vazios ele não a percebeu.Ela após um sorriso constrangido levantou-se e deu o sinal.O motorista fez a curva e num movimento repentino jogou o ônibus para o lado oposto da rua.Uma bicicleta havia atravessado o cruzamento.Marina foi de encontro ao estranho caindo por cima dele.Desajeitada e constrangida foi logo pedindo desculpas.Ele secamente lhe respondeu um “nada”.Arrumando-se desceu.”Que homem horroroso!Deve ser um bandido!”
O ônibus seguiu até o centro da cidade,ao chegar no terminal da pequenina cidade os passageiros desceram.O estranho foi em direção a uma lanchonete,pedindo um café .Sentado de frente para a porta de entrada.Olhos vazios,frios e determinados.O garçon trouxe o café e bebeu-o rápido.Um homem mais novo entrou e sentou-se ao seu lado,cumprimentaram e foram logo discutindo um assunto que lhes era muito importante.Meia hora depois os dois homens sairam da lanchonete,cada um para um direção.O mais novo atravessou a rua e entrou num carro.O estranho continuou a caminhar pela calçada,chovia e ele não se importava com o tempo.As pessoas passavam por ele ,olhavam-no,era estranho e causava certo desconforto.Ele continuou até o final da rua dobrando numa esquina em direção a um hospital.
Marina no trabalho,sentada de frente a sua mesa,ligava o computador e observava a rua da pequenina janela do escritório.lembrou do homem e sacudiu a cabeça ,devia ser algum destes maníacos soltos por aí.
Debora sua amiga de sala trouxe uma xícara de café logo perguntando sobre o final de semana.Esta sorriu dizendo que tudo estava bem ela e o noivo iriam acertar tudo para casarem-se no verão.O noivo de Marina morava em outra cidade e só se viam de quinze em quinze dias.Casar-se-iam e iriam morar no Nordeste.Debora seria a madrinha deles.Conhecia -os algum tempo e fora namorada de um primo de Marina.As duas continuaram a conversar e a digitar no micro.Seu Juliano iria chegar somente a tarde poderiam conversar com calma e trabalhar sem a preocupação da vigília do chefe.
Na hora do almoço as duas foram a um pequeno restaurante que ficava no final da rua do escritório,lá outros amigos reuniam-se e trocavam conversas.Marina sentou-se perto da janela em frente ao balcão do Caixa.Ajeitando o cabelo olhou em volta e viu um homem sentado em sua lateral.Era o estranho do ônibus.Estava sozinho e almoçava um prato sugestão da casa.Ela foi ao banheiro passando ao lado dele,olhou-o mas ele não a notou.Ao sair do banheiro ele não estava mais.Foi em direção a porta de entrada,saiu a rua ele seguia mais adiante,a passos firmes ,cadenciados,de vez enquanto coçava o sinal da face.Ela voltou-se ,Debora indagou a sua saida “Fui tomar ar me senti mal..”Você está grávida?” foi o que bastou para todos iniciarem uma conversa animada.Marina sentou-se e ficou pensativa:”que homem estranho...!”.
A chuva cessara,os passos firmes do estranho continuavam pelas ruas,numa destas ele entrou numa loja de discos,ficou ali olhando os antigos vinis.Escolheu dois,pagou-os e saiu da loja deixando o balconista com um olhar desconfiado.”Que homem estranho!”
Seus sapatos estavam enlameados e suas calças encharcadas,como não levava guarda-chuva recebera toda a água que caíra na manhã.Entrou no hospital,foi logo a recepção identificou-se e entrou no elevador.No andar escolhido saiu e logo um quarto lhe apareceu,lá dentro uma mulher e um menino.O menino estava na cama,coberto de tubos e outras parafernálias.A mulher ao seu lado.Virou-se quando o estranho entrou.”Ah você voltou!Posso ir ao banheiro.”Dizendo isto sumiu do quarto.
Ele sentou-se numa poltrona em frente ao menino que dormia,nem o notava,aliás desde que fora ao hospital o menino sequer lhe percebera,nem sabia quem era,nuca ouvira seu nome,não sabia nada de sua vida.A mulher era tia do menino,a mãe morrera alguns anos e o pai nunca ouvira-se falar dele.
Ali ficou sentado ,os olhos vazios,frios em frente a cama ao som de alguns aparelhos.
Marina saiu do escritório e seguiu direto a parada do ônibus queria chegar em casa ,tomar um banho e dormir.A chuva reiniciara e estava frio.Entrando no veículo foi logo sentando e adormeceu o percurso todo.Quando chegou perto da sua parada ,sobressaltou correndo até a porta.Descendo,foi caminhando sob a chuva,desviando de poças e o vento jogando sua sombrinha para todos os lados.No apartamento foi logo ao banho,a água quente foi amortecendo a tensão do dia e após foi direto a cama,não tinha fome apenas um pesado sono.Queria adormecer e acordar no outro dia.Deitando-se ao fechar os olhos veio a imagem do estranho,dos olhos vazios e do sinal bonito.Sonhou e no sonho encontrava-se com o estranho ,num local sem chuva,estranho e aberto.
Despertando ao amanhecer,lembrou do sonho e sacudindo a cabeça disse para si mesma esquecer aquele homem horroroso.Foi logo se aprontar para o trabalho.
No hospital o homem de olhar vazio bebia uma xícara de café quente enquanto olhava as pessoas no restaurante do hospital,algumas eram médicos,enfermeiros outros parentes dos internados.Ficou ali olhando-os por algum tempo até o relógio do celular cantar .Estava na hora.Foi até o quarto O menino continuava ali inerte.A mulher ao lado passando baton na boca.E uma enfermeira rechonchuda acomodando o menino na cama.A morfina já foi aplicada agora é só aguardar.O olhar vazio do homem percorreu o quarto todo,as janelas,os móveis,as paredes.Fez toda volta e parou na porta.Saiu e foi em direção ao elevador,desceu,saiu do saguão ,caminhou até a rua,em direção a velha estaçãozinha dos ônibus da pequenina cidade.Entrou no ônibus.
Marina no trabalho olhava a janela do seu escritório ,dali viu um ônibus parado,sentado a janela estava o estranho,olhou-a de lá os olhos vazios sorriram e uma face bonita e simpática surgiu-lhe.Marina perplexa percebeu o estranho,retribuí-lhe sorrindo .O ônibus seguiu,Marina voltou ao trabalho e o estranho homem da janela do ônibus vendo o Céu,não chovia mais.
Violetta