Os Vinte Por Cento - Primeira Parte

Aquela quinta-feira amanheceu com sinais do juízo final, como mais tarde se recordaria dona Candinha, presidente do Movimento das Senhoras de Boa Vontade de Tupilândia, associação que reúne as representantes das mais expressivas famílias da sociedade local, maneira como Totonho, o colunista da Gazeta Tupilandense,

definia a entidade.

Logo pela manhã, quando ela e outras senhoras se dirigiam à missa das oito, foram surpreendidas pelo Neco da farmácia, que cruzou a praça central em frente à Igreja, completamente nu, aos gritos de:

- Estou curado! Estou curado!

A surpresa foi geral. Afinal, ninguém sabia que ele estava doente.

O milagre que superou a moral das beatas foi o assunto do dia. Populares afirmavam que o Neco, banhando-se nas águas lodosas do rio Caveirinha, curara-se de diversos males, inclusive da terrível impotência sexual, desgraça até então desconhecida dos tupilandenses, segundo o conceituado doutor Fabricio, fazendeiro, veterinário e historiador.

Ao tomar conhecimento do fato, uma senhora do subúrbio, não teve dúvidas: pegou dois caras parrudos e anunciando para toda cidade que haveria uma nova cura, jogou o sobrinho paraplégico na correnteza.

Dois dias depois, o corpo ainda não havia sido encontrado e a mulher e seus cúmplices eram procurados dia e noite pelo delegado Toribio, que dizia que a bandoleira devia pertencer a uma organização neonazista. - Dessas tais “Ski Hed”, “Skin Head” ou seja lá como se chama isso - definia o policial - esses grupos que não gostam de negros, estrangeiros, judeus, deficientes físicos e gays. Se bem que destes últimos, ele também não gostava.

Fantasia ou não do representante da Lei, o fato é que o dono da loja de ferragens, o polonês Andrey, com medo de que os fantasmas do passado retornassem, se mandou da cidade, levando junto a família, só voltando seis meses depois, quando o dinheiro acabou e ele fora informado, através de carta, de que os empregados haviam levado seu negócio à falência.

Logo após o almoço, quando todos já sabiam que a suposta cura não passava do pagamento de uma aposta, que a tragédia havia se consumado, que o polaco estava para lá de Bagé e que doutor Fabrício era o único que permanecia lá no rio, com o membro envolto em lama, é que estourou a notícia bomba: a morte de Adamastor Barranca, deputado federal licenciado, candidato a prefeito e filho mais ilustre de Tupilândia.

. . . . .

Não demorou muito, para que a rua em frente ao sobrado da família ficasse lotada de populares, que se acotovelavam, na esperança de ver o defunto. Parentes, amigos mais íntimos, autoridades municipais e de diversas cidades vizinhas se amontoavam na sala do térreo.

Lá em cima, no quarto, o agente funerário dava os últimos retoques no morto. Olhava para seu rosto magro, comprido e pálido com um grande nariz curvado, não podendo deixar de exclamar:

- Porra! Como tu eras feio! Mas, não liga, não. Os bichinhos lá de baixo não têm senso estético – e deu uma sonora gargalhada, logo reprimida pela palma de mão, ao se lembrar de onde estava.

Depois foi à janela, respirou fundo, olhou a multidão em frente ao casarão, riu e falou na direção do morto:

- Eta povinho burro. Se essa gente soubesse o pilantra que tu foste. No mínimo tocavam fogo na casa.

Quando retornou para perto do leito, notou que as mãos não estavam mais sobre o peito do falecido, como as deixara minutos atrás. Percorreu o corpo com um olhar receoso, encontrando-as entrelaçadas sob o pescoço do deputado, que o observava.

- Quanto o senhor está ganhando? – perguntou o finado.

Ante o pavor do agente funerário, que estático tinha dificuldades até para respirar, fez um gesto desobrigando-o da resposta.

- Não importa. Eu quero vinte por cento.

Seu Valfredo tremia. O fato de falar com um falecido, ex-falecido, ressuscitado ou sabe lá o quê, não tinha importância, frente à comissão que o safado requeria. Deixou de lado o pavor e a suspeita de que a soltura de gazes não fosse só isso e protestou:

- Ah, essa não! Essa não! Tu podias fazer isso quando tu eras vivo. Ali na prefeitura. Tu e teus camaradas. Mas, agora aqui e comigo não.

- Vinte por cento – replicou solene o defunto.

- Vinte por cento uma ova. Não te dou um centavo. Onde já se viu pechinchando com um morto ou sei lá como se chama isso. E eu que pensei, que depois que vocês morressem, tomassem vergonha na cara, lá no além.

- Vinte por cento e fim de conversa. Afinal, eu sou o motivo principal da cerimônia. Sem morto não tem enterro e sem enterro, você é que não vai levar nenhum centavo.

O argumento atingiu em cheio seu Valfredo, que amaldiçoava o deputado. - O desgraçado é bom de lábia – meditava com seus botões. Pediu um momento e se dirigiu ao banheiro a fim de fazer uma pequena averiguação.

- Não adianta. De político a gente não ganha nunca. Nem na vida nem na morte -falava baixinho enquanto arrumava as calças, apertava o cinto e saía a procura de dona Candinha .

. . . . .

A viúva entrou no recinto pedindo calma ao agente funerário, achando que o homem estivesse bêbado, mesmo sabendo, que muquirana do jeito que era, não gastaria dinheiro com álcool. Mirou o marido deitado na cama, sorrindo-lhe de um modo malicioso. Sem alterar um músculo do rosto, perguntou-lhe:

- O que está acontecendo?

- Nossa que frieza! Até parece quando a gente trepava. Não estás feliz em me ver?

- Que linguagem chula é essa Adamastor?! E que estória é essa de falar de nossa intimidade na presença de estranhos?

- Ele está querendo vinte por cento do que eu cobrei pelo enterro – interrompeu-a seu Valfredo, sem se importar com os comentários de marido e mulher, sobre a vida sexual do casal.

- Que vergonha! Mas nem depois de morto? Será que aí do outro lado não tem mais o que fazer?

- Mas vem cá minha filha – continuava o defunto, de maneira debochada. – Tu não estás surpresa em me ver?

- Meu caro Adamastor. Eu estava casada contigo... ou ainda estou, agora já não sei mais, há trinta anos. Conhecendo-te como eu conheço e sabendo do pilantra que és, nada me espanta. No mínimo, subornaste alguém aí do além, só para vir atazanar aqui na terra. Bem que uma vidente me disse, que depois que tu morresses, ainda me causarias muitos transtornos. E tu que não acreditavas nelas – lançou um sorriso irônico para o marido.

- Vinte por cento ou então eu não vou embora. Ou melhor, não morro – a teimosia do deputado fazia com que dona Candinha começasse a elevar a voz.

- Ah, essa não! Não me faças uma desfeita dessas. Já chega tudo o que eu sofri na vida por tua causa. Denúncias de falcatruas, comentários sobre tuas aventuras amorosas e até dois ou três filhos bastardos. Tudo bem, até aí eu agüento. Tudo em nome do dinheiro e da posição social – lançou um olhar para o agente funerário em busca de aprovação. – Mas, agora, de uma hora para outra suspender todas as cerimônias? De jeito nenhum! Lá embaixo, está cheio de autoridades. As mais importantes pessoas da cidade e dos municípios vizinhos. Vêm políticos, jornalistas, inclusive, alguns colunistas sociais da capital e tu resolves não morrer?

O finado fazia caras debochadas à viúva que prosseguia em seu lamento:

- Imagina! O que eu vou dizer para essa gente toda? Morreu está morto – falava para seu Valfredo, que concordava balançando a cabeça

A dona da casa fez uma pausa, para recuperar o ar que começava a lhe faltar. Ficou em silêncio por alguns segundos, deu um longo suspiro e continuou seu discurso, tentando convencer o morto.

- As emissoras de televisão vêm cobrir o enterro e depois mostrá-lo para todo o país em horário nobre. Durante as gravações, a banda municipal tocará uma sinfonia, criada especialmente para ti pelo maestro Bochecha. As aulas foram suspensas para que as crianças possam acenar bandeirinhas, quando o cortejo desfilar pelas ruas da cidade. Será o acontecimento do ano! A região inteira está em alvoroço e tu queres aprontar uma dessas? Quantas entrevistas e fotos eu já fiz, mostrando toda a minha tristeza e resignação com os desígnios da vida, dizendo que abdiquei de momentos preciosos ao teu lado, só para que pudesses te dedicar ao povo – falava num tom de falsa piedade de si mesma. – Não me faças um papelão destes! Morreu, morreu! Azar o teu!

Adamastor não dava atenção à esposa, que vendo que suas palavras não surgiam efeito, alertou o marido:

- Além do mais, já está tudo acertado entre eu e as crianças sobre a partilha. A Celina, inclusive, depois das cerimônias, já tem até um jatinho alugado para o Rio. Após, ela vai a Paris. Diz que nunca mais quer pisar nesta terra de merda, com o perdão da vulgaridade. Que só ficou aqui, porque tu a proibias de morar sozinha numa cidade grande sendo solteira.

Sem dar ouvidos à decisão da filha, o finado permanecia na sua intransigência:

- Eu quero vinte por cento.

- Que vinte por cento, homem? – indagava a viúva bastante alterada.

- Da partilha.

- Estás louco?! Nem pensar, nem pensar...

Foi interrompida pela entrada de Anselmo. O medo de que o mordomo visse o morto falando, deixou dona Candinha mais agitada.

- Madame, podemos começar a servir o pessoal?

- Claro, claro. Vai, vai, vai. Podem servir – empurrava-o levemente, procurando afastá-lo. Tentativa inútil, já que todos foram surpreendidos por um pedido.

- Eu quero uísque. Com gelo.

- Sim senhor – respondeu o criado, antes de se dar conta de quem solicitava a bebida. Perplexo, deu um grito e saiu correndo, sem se importar com os pedidos desesperados da dona da casa para que voltasse. Ao cruzar com João Bento, assessor do deputado e coordenador da campanha para prefeito, não conseguiu falar, apenas gaguejava e apontava com insistência para o quarto até desmaiar.

Quando João Bento chegou ao aposento, sentiu que as pernas lhe faltavam. Balbuciava, retirava os óculos, limpava as lentes, esfregava os olhos, repunha os óculos, repetindo várias vezes a operação, sem que o fantasma parasse de emitir aquele sorriso sarcástico, que o fazia duvidar de sua saúde mental. Seu espanto era tal, que não ouvia os pedidos do morto para que se aproximasse.

- Bentinho, meu fiel escudeiro. Como vai a minha campanha? – indagou o defunto.

Desconfiado, o assessor foi se aproximando.

- Tá bem, tá bem... Só que hoje a gente parou – examinava o cadáver com cuidado e precisão, tentando se convencer do que seus olhos viam.

- Pararam por que, homem?

- Tinham dito que o senhor havia morrido. Um pouquinho antes, eu próprio lhe vi aí, estendido na cama.

- E eu morri mesmo.

João Bento não sabia como agir, nem o que falar, pensando que o patrão estivesse de troça para cima dele.

- É verdade Bentinho. Nota. Pega na minha mão. Olha só como está fria. Pega aqui também, olha como está duro – colocou a mão sobre a calça à altura do membro soltando uma gargalhada, recebendo gestos de reprovação da viúva e um tímido sorriso do assessor, que cauteloso encostou a ponta do dedo no morto e vencendo a vontade de cometer o mesmo ato do mordomo, perguntou, para lá de ressabiado:

- Mas por que é que o senhor voltou?

- Eu quero a minha comissão no que esse aí está ganhando – e apontou para o agente funerário, que com o dedo deixava claro que não daria nem um centavo. – Quero também minha porcentagem na partilha da família.

- Justo, doutor. Muito justo – concordava João Bento.

- Ah, caro Bentinho! Sempre o mesmo. Sempre do meu lado. Ó fiel escudeiro e amigo. Talvez, a única pessoa que me entenda.

- Puxa-saco. Vaselina – xingava-o seu Valfredo.

Bentinho ia lhe responder, mas, foi interrompido pelo deputado que pedia detalhes sobre sua campanha.

- Olha doutor, nós estamos com uns pequenos problemas...

- Que pequenos problemas, homem? – indagou num tom sério, perdendo a ironia e a calma.

Percebendo o receio do funcionário em iniciar a conversa, procurou adivinhar quais eram as dificuldades.

- Já distribuíram todos os cartazes e santinhos?

- Já...Pois o senhor acertou em cheio na questão. É justamente aí que está o problema.

- Então, desembucha, homem!

Aos poucos, com medo e cautela, João Bento foi transmitindo a notícia, de que o material de propaganda eleitoral do candidato a prefeito, estava sendo usado nos banheiros de uma churrascaria, situada em uma rodovia federal. Com cara de nojo, o deputado ouvia o assessor contar, que a nova utilidade dos panfletos e santinhos, fazia o maior sucesso. Vinham excursões de todas as regiões do estado.

- Tem gente comendo maionese que está há dez dias fora de refrigeração só para ir lá. Dez dias com este calor! O senhor imagina! – segredou o correligionário.

- E eles utilizam o lado das promessas? – perguntou o defunto, ansioso de que a resposta fosse afirmativa.

- Não. O texto eles lêem e dão risada.

O finado não deu atenção ao “bem feito” proferido pelo agente funerário. Torceu a boca, o nariz e fechou os olhos ao imaginar seu retrato, depois de cumprir o lambuzado papel.

- Por um lado é bom – tentava consolá-lo o assessor. – O povo vai gravar na memória os nomes e os rostos dos candidatos. Tem uns concorrentes a vereador mandando de propósito seus materiais para lá. Afinal, é tanta gente, que dá para eleger um governador. Lá tá todo mundo dizendo: em Tupilândia vence quem tiver mais bosta na cabeça.

- Filhos da puta! Povinho nojento! Depois de tudo o que eu fiz por eles. Tomara que caia uma bomba atômica nessa cidade de merda! – praguejava o deputado.

- Mas, afinal de contas. Por que o senhor está tão interessado nas eleições, se já morreu? – indagou-lhe João Bento.

- É para ver se essa gente não ia esquecer de mim. As eleições não são depois de amanhã? Então, eu queria ver se ainda ganharia ou pelo menos teria muitos votos, ser bem lembrado, servir como um voto de protesto contra os candidatos que aí estão.

Pensou um momento e lamuriando, confessou seu receio:

- Pelo menos para aquele jegue que o povo ameaça votar eu não queria perder.

- É, mas a sua imagem está bem chamuscada ou melhor cagada doutor – disse o agente funerário, de uma maneira debochada a gargalhar.

- Isso é coisa da oposição. Desses comunistas que agora estão no governo e dos que tem lá nos sindicatos. Aposto que o dono dessa churrascaria é parente de um deles ou então filiado a um desses partidos de merda – explicava o defunto.

- Literalmente doutor, a coisa está uma merda – confessou o assessor.

- É merda para todo lado – divertia-se seu Valfredo, dando risadas que faziam brilhar dois dentes de ouro.

- Mas deixem estar, deixem estar. A minha vingança não tardará. O dia do juízo final para os políticos desta cidadezinha de bosta é hoje. Bento, vai correndo lá na prefeitura e chama o Inocêncio. Depois, vai na casa de cada um dos vereadores e manda essa corja vir aqui. Mas, não diz que sou eu quem está chamando. Inventa que é para uma homenagem surpresa à minha família.

- Todos eles?

- Todos. Comunistas, socialistas, capitalistas, liberais, reacionários, progressistas, vegetarianos, anarquistas, tarados, o que tiver por lá. Eles vão ver o que é uma vingança. Vão aprender a não sabotar a campanha de um homem de bem.

João Bento balançou a cabeça concordando e logo após saiu correndo, para cumprir sua tarefa, que não foi nada difícil, já que a maioria dos convocados estava ali no térreo. No quarto, o agente funerário, constrangido devido à presença de dona Candinha, enxugava a saliva que escorria por seu queixo, produto de tantas risadas.

. . . . .

Aproveitando que João Bento foi buscar todo mundo, vale fazer um breve histórico da carreira política de Adamastor Barranca, iniciada logo após seu casamento com a rica filha de um líder político da região.

Sua atuação parlamentar foi sempre marcada por denúncias de má aplicação e desvio de dinheiro público, corrupção e tráfico de influências. Acusações arquivadas por acordos políticos, sumiço das provas e às vezes das testemunhas.

Mas, o fato que o catapultou para o cenário nacional, ocorreu no início de sua carreira, na época em que era vereador, numa tarde de quinta-feira, quando, por acaso, Adamastor, que não tinha nada por fazer, resolveu rever amigos e inimigos da Câmara Municipal, depois de três meses de andanças por congressos em Miami, Cancún e Bali, patrocinadas pelo Legislativo Municipal.

Após alguns discursos, discussões, acusações, ameaças de morte e até de algumas trocas de tapas, a votação transcorria normalmente. Como a casa não tinha condições de adquirir um painel eletrônico e seu presidente era surdo, há muito que a Câmara utilizava um sistema de cartões para aprovação ou rejeição de um projeto. Quem era a favor levantava o cartão branco e os contra, cartão preto.

Todos já havia se manifestado à exceção do vereador viajante. O escrutínio estava empatado. O dono do voto decisivo dormia profundamente. Aborrecido com o desdém do parlamentar, o presidente da Câmara berrava para que ele acordasse, mas foi preciso que alguns colegas o sacudissem, para Adamastor despertar.

- É preto ou branco? – gritava o coordenador.

- Preto ou branco?! – balbuciava Barranca, meio sonolento.

- É. Preto ou branco? – repetia o presidente.

- Preto ou branco? – questionava-se baixinho o vereador, sem se lembrar da utilidade daquele sistema alvinegro.

- É preto ou branco? – indagavam todos, pedindo uma solução.

Adamastor, sem saber o que dizer, não tendo a menor idéia do que estava em pauta, achou um jeito de sair da situação constrangedora.

- É cinza! – falou num tom firme.

- Cinza?! – repetiram os outros.

- Isso mesmo. Chega de radicalismos. Temos que buscar sempre o entendimento, uma decisão conciliatória – e completou para si mesmo – nem lá, nem cá. Parece uma coisa, mas também pode ser outra.

Foi aplaudido de pé. Todos festejaram e deram vivas ao colega, um exímio articulador. Depois, foram para a praça central, onde Adamastor foi carregado pelo povo. À imprensa foi explicado que graças à habilidade do nobre vereador, a Câmara havia chegado a um consenso. Arturzinho Meza, colunista político da Gazeta Tupilandense, escreveu um artigo tão emocionado, ressaltando as elevadíssimas qualidades políticas de Adamastor Baranca, que o jornal imprimiu até suas lágrimas sobre o papel.

Adamastor gritava, ovacionado pela população:

- Podem vir os comunistas, os fascistas e todos os totalitários, que nós vamos vence-los com o diálogo, a união e a nossa honestidade.

Fogos de artifício espocavam, pessoas berravam de alegria, muitas faziam de tudo para apenas tocar na nova liderança da região, como se Adamastor fosse uma estátua sagrada. Mães faziam questão de que as cabeças de seus recém-nascidos fossem acariciadas pelas mãos salvadoras daquele homem público, para que suas crianças adquirissem seus conhecimentos e sua integridade moral. Cada um procurava um jeito de chegar mais próximo do político, que muitos já julgavam santo, mesmo, que quase ninguém soubesse o que significava a palavra consenso.

. . . . .

O mordomo recuperou os sentidos e vendo que não havia obstáculos entre ele e o quarto, onde tivera a fantasmagórica surpresa, aproximou-se lentamente. Da porta, viu dona Candinha, o agente funerário e o morto fingido conversando banalidades. Irrompeu no recinto aos gritos:

- Canalhas! Calhordas! Burguesia podre e fétida. Sempre tentando enganar o povo. Sempre tentando se aproveitar do povo. Cambada de safados. Até o senhor, seu Valfredo?

Dona Candinha e o agente funerário tentaram contê-lo, mas foram empurrados contra um móvel, onde estava a imagem de São Pitolomeu, padroeiro da cidade, que quase caiu no chão, não fosse a intervenção da dona da casa.

- Pois vocês pensam que ganham sempre. Que sempre podem tudo – berrava Anselmo, revoltado, não dando ouvidos aos pedidos da viúva para que baixasse a voz. Sem se importar com o escândalo, continuava:

- Pensam que sempre enganam todo mundo e fica por isso mesmo? Pois saibam que fui eu que sempre enganei vocês. Fui eu quem sempre entregou os podres desta casa para a oposição.

Deixou de encarar o finado, para mirar dona Candinha e com um ar de vingança e vitória, dizer:

- E as gafes para os colunistas sociais, inclusive, os da capital.

A mulher quase deixou cair o santo. Sentia as mãos trêmulas, a respiração difícil e tinha palpitações. Começou a temer que o ataque cardíaco que há anos profetizava, sempre que era contrariada ou ficava nervosa, estivesse prestes a acontecer. Vieram-lhe à mente certas fofocas sobre sua pessoa publicadas no jornal, impossíveis para alguém de fora da casa saber e que sempre que indagava a Totonho, sobre a fonte desses boatos, o colunista negava-se a fornecer a origem das informações, alegando ética profissional.

Agora, tudo parecia claro à viúva, mas só para não restar mais nenhuma dúvida, perguntou, educadamente, procurando conservar um tom maternal com o empregado:

- Anselmo, meu querido. Tu sabes que eu sempre te tratei com toda a consideração. Sabes que sempre ajudei a ti e a tua família...

- Sobras, migalhas de burgueses para tentar limpar suas consciências sujas e carregadas de culpa. Culpa nunca assumida – Falou com tanta raiva que abalou a calma que a patroa tentava demonstrar.

Dona Candinha respirou fundo, fez um sinal ao marido para que parasse de dizer que aquilo era conversa fiada de sindicato e gaguejando, devido ao medo de tudo o que o possesso ainda pudesse lhe revelar, indagou:

- Só me responde uma coisa, Anselmo. Foste tu que falaste ao Totonho sobre aquela vez, em que, a empregada se enganou e serviu vinho em copos d’água, durante o jantar para o General Tiburcio?

- Fui – deu um sorriso cínico e superior.

- Meu Deus! – um sentimento de pena de si mesma por ter sido traída apoderou-se

da viúva, que sofrendo como nunca sofrera na vida, como mais tarde relataria a São Pitolomeu, tratou de questionar o mordomo pela última vez.

- E aquela vez, que comprei um modelito em uma loja popular da capital e chegando em casa troquei a etiqueta por uma de grife famosa. Foste tu?

- Também.

Tentando controlar-se para não se despentear, não chorar para não borrar a maquiagem suave como convém a um enterro de um ente tão querido, e se segurando para não pegar no revólver, que estava na gaveta da cômoda e matar o crápula, dirigiu-se ao esposo:

- Adamastor, tu estavas certo. Mesmo que estejas morto ou sei lá o que, te dou o braço a torcer. Realmente, o Getúlio errou ao dar tantos direitos a esses empregados. Essa gentinha não merece tamanha consideração.

O falecido balançava a cabeça, sendo acompanhado pelo agente funerário, que pela primeira vez concordava com seu adversário, já que uma de suas maiores preocupações e motivo de revolta constante contra todos os governos eram o salário e os direitos trabalhistas do contínuo de sua empresa.

- Agora eu vou avisar a cidade inteira sobre essa farsa, seus abutres do dinheiro público... – não terminou a ameaça, pois a dona da casa lhe deu na cabeça com o vaso das flores, que diariamente, eram ofertadas a São Pitolomeu.

. . . . .

Quando o juiz, o prefeito, cinco secretários e nove vereadores entraram no quarto, estranhando o criado estirado no chão, o deputado cumpria o seu papel de morto. Só após João Bento ter trancado o recinto é que ele cumprimentou os antigos colegas. Alguns começaram a dar socos e pontapés na porta, tentando fugir do inferno, já que sabiam que Adamastor Barranca não era nenhum santo. Outros gritavam por socorro, um caiu sobre o mordomo, enquanto que dois vereadores correram ao banheiro para pequenas averiguações, que se confirmaram. Houve até briga pela posse da privada e do papel higiênico. Somente o prefeito João Inocêncio, o juiz Leonel Celestino e o vereador Pedrinho Júnior – esquerdista, radical, extremista e ortodoxo, como ela gostava de se definir – não se deixaram abalar, se bem que Pedrinho, durante alguns segundos, se pôs a divagar sobre suas posições concretas e inabaláveis sobre a não existência de vida após a morte.

Depois do susto, que o esquerdista justificou, dizendo que o parlamentar o havia pego de surpresa, Pedro Júnior tratou de acalmar os colegas e impedir que o vereador Darci, do mesmo partido do defunto, corresse à janela e espalhasse a notícia da ressurreição. Frustrado em sua intenção, Darci pediu ao colega, que o deixasse ir até a lareira fazer um fogo, para que os populares lá na rua vissem a fumaça branca sair pela chaminé e ficassem todos de sobreaviso, mas seu pedido foi negado por unanimidade.

À exceção dos dois que foram no banheiro e lamentavam não poderem ir em casa trocar de roupa, os membros da comitiva tratavam de lentamente recuperar o equilíbrio.

Pedrinho Júnior propôs uma técnica oriental de relaxamento, logo descartada por unanimidade, quando todos ouviram do defunto, que aquilo era coisa de veado. Por instantes, Pedrinho esquecera sua formação humanista, querendo esganar o finado. Conteve-se, pois era preciso se juntar aos outros nas tarefas de fazer o vereador Hipólito desistir de exigir que tudo fosse documentado em ata e de convencer o prefeito a não dar um tiro no morto, parar de berrar que sempre teve vontade de fazer isso e que não tinha medo de assombração.

Depois de muitos “Cala a Boca, Hipólito” e “Tá Louco, Inocêncio”, Barranca começou:

- Bem senhores, eu os chamei aqui, para lhes avisar que aquela tremenda sacanagem com o material da propaganda da minha campanha não vai sair barato aos senhores. Sei que foi coisa da oposição – não deu atenção aos protestos e prosseguiu. – Não interessa. O que eu tenho a lhes dizer, é que para que eu não vá àquela praça e conte todos os podres de vocês que eu descobri lá no além, fora aqueles que eu já sabia – e ressaltou – de todos, eu vou querer vinte por cento do orçamento municipal.

O pedido caiu como uma bomba atômica. Até o relógio na parede parou de trabalhar, marcando quinze horas. O prefeito solicitou uma cadeira, parecia-lhe que os móveis dançavam uma lambada. Miguelito, secretário municipal de saúde, abanava-o com um jornal velho, enquanto que os demais discutiam a proposta. Jairo Quadrão, correligionário do defunto, dava-lhe apoio total, mesmo porque, quando o finado voltou a falar, ele notou que não havia outra saída.

- E para que os meus colegas de partido motivem os adversários, que ora se encontram no poder, a agir mais rápido, as minhas ameaças valem para todos. Doa a quem doer – terminou a chantagem lançando um olhar desafiador aos seus partidários.

Houve protestos, suores frios – apesar do calor de quase trinta e sete graus – crises de asma, chiliques e até três ameaças de atentado contra o moribundo vigarista. O prefeito João Inocêncio e o juiz pegaram em seus revólveres e até Jairo Quadrão empunhou seu trinta e oito, esquecendo mais de vinte anos de vida partidária. Foram contidos por João Bento, que corajosamente se pôs entre as armas e o alvo, argumentando:

- Não adianta atirar. Ele já está morto mesmo. Só os que vocês vão fazer é chamar a atenção do pessoal lá embaixo. Já imaginaram o escândalo?

Suas palavras foram decisivas. Os homens guardaram as armas, mas continuaram a praguejar contra o defunto, torcendo para que ele fosse fazer suas falcatruas lá no inferno. Jairo Quadrão dizendo-se traído, teve uma crise de choro, sendo consolado por um vereador. Adamastor apenas ria. Nunca tivera tamanha vantagem e poder sobre seus inimigos e aliados políticos.

- Mas afinal de contas, como que tudo isso começou? – indagou Pedrinho Júnior.

- Iniciou com esse aí – apontou João Bento para o agente funerário. – Que não quis dar os vinte por cento do que cobrava do enterro para o deputado.

Seu Valfredo tentou responder, mas foi interrompido pelo grupo, que queria sua cabeça.

- Mas que falta de patriotismo – bradava o prefeito. – Mas nem na hora da morte o senhor pode deixar de pensar em dinheiro?

- É o meu trabalho.

- Trabalho uma ova! Isso é uma exploração! Por causa da ganância de um, toda a cidade é que paga o pato! – contestava Jairo Quadrão, com o apoio de todos.

- Eu exijo que o senhor dê os vinte por cento ao deputado – ordenava João Inocêncio.

- Não dou – replicava categórico o agente funerário.

- Ou o senhor dá ou então eu apresento um projeto numa sessão extraordinário da Câmara, aqui mesmo no quarto, já que estão todos aqui, com votação em caráter de urgência, congelando e até diminuindo os preços dos serviços funerários – ameaçava-o Jairo Quadrão.

- Ah essa não! Há meses que nessa cidade só morre pobre. Está na hora de eu também ter um lucro – explicava seu Valfredo.

- Esse é todo o problema. O lucro, a mais-valia – discursava Pedrinho Júnior. – De nada adianta os esforços sobre-humanos e até sobrenaturais da prefeitura, do legislativo municipal e das entidades de direitos humanos em conter gastos e valorizar o ser, se os capitalistas de nossa cidade continuam com sua sede selvagem em obter o lucro fácil, sugando o sangue do nosso sofrido e miserável povo.

A pequena platéia aplaudiu o vereador, menos o morto e o agente funerário, que faziam caras debochadas durante o discurso.

- Sempre com demagogia. Desde quando este traste é pobre e miserável? – questionava seu Valfredo, apontando para o defunto. E para mostrar que não era tão indefeso e manipulável como muitos ali pensavam, ameaçou:

- Se vocês atrapalharem meu negócio, eu vou na imprensa. E não vai ser na imprensa daqui, que é um bando de cupinchas de vocês. Vai ser na imprensa estadual e até na federal.

- E quem é que vai acreditar que o senhor foi extorquido por um morto? – indagava irônico o prefeito.

- Eu não falo do morto. Falo das falcatruas de vocês.

- Ah, essa não! Mais um! – exclamaram em coro o chefe do executivo municipal e os vereadores.

- Ah, essa sim. Vocês esqueceram que o meu cunhado é procurador do município? Quem sabe eu denuncio aquela ponte superfaturada lá no Capoierão? Hein, seu Inocêncio?

O medo nos olhos de seus oponentes incentivava seu Valfredo a prosseguir:

- Ou então, aquela viagem a Miami com o dinheiro público? Eu tenho lá em casa, uma cópia do vídeo, em que os vereadores Jairo Quadrão e Pedrinho Júnior, durante um cruzeiro, dizem, de uma maneira escrachada, que vão ter uma audiência com diversos personagens de histórias em quadrinhos, para convencê-los a formar uma chapa majoritária, para as próximas eleições municipais. Que o povo é burro mesmo e vota em quem vocês quiserem. E o senhor seu Pedrinho? Alegando que ia para um intercâmbio cultural em Cuba, pegou o avião errado e acabou no paraíso das compras? Isso sem falar na extorsão da empresa de ônibus aqui do município, praticada pelo seu partido para compra de apoio político. Foi assim, que vocês ganharam aquela votação, que criou a Entidade Cultural, Filantrópica, Assistencial e Humanitária de Tupilândia, que até agora, só ajudou a sua esposa que é a diretora.

- A situação é mais grave do que pensamos – interrompeu-o João Inocêncio, que sem se importar com a presença de correligionários e inimigos partidários, correu para junto da imagem de São Pitolomeu e se pôs de joelhos a rezar.

- Pô São Pitolomeu, já não chega a CPI que esses sem-vergonhas estão querendo fazer contra mim? Aquela maldita reportagem, sobre o sistema de saúde do município, que foi ao ar para todo o estado? E agora, ainda me vêm esse agente da morte e o outro corrupto do além? Me diz, meu santinho, como é que eu saio disso tudo?

João Inocêncio olhou para os rostos desesperados dos colegas de infortúnio, que aprovavam e incentivavam sua religiosidade, rezasse, pedisse e prometesse ele o que quer que fosse, desde que, aquele assombração subversiva os deixasse em paz.

Depois do tempo que deu para o santo pensar, o prefeito continuou:

- Eu sei que estou lhe devendo trezentas orações, daquele caso da iluminação com preços acima dos de mercado, que ninguém descobriu – confessava baixinho, dando umas rápidas olhadelas de canto de olho para os lados, com medo que estivessem a ouvi-lo.

- Mais duzentas pela ponte do Capoeirão, se bem que essa aí, o homem já ameaçou contar, então não valem. O senhor lembra, que eu lhe prometi mais trezentas se o meu projeto de só trabalhar dois dias por semana passasse? Pois é, isso não aconteceu. Com tudo isso, deixa eu ver... – fazia as contas, utilizando os dedos trêmulos. – Eu ainda estou em débito com o senhor em trezentas orações. Como já faz algum tempo, o santo sabe que eu sou um homem atarefado, vou colocar dois por cento de juros sobre o que eu lhe devo e lhe propor a rolagem da minha dívida em parcelas iguais. Dez orações durante trinta e seis dias. Assim eu acho que está bom. Agora, o senhor me faça a sua contraproposta, de quanto quer para livrar a mim e a todo o município desse traste deitado na cama.

Como São Pitolomeu não se manifestasse, resolveu acertar por conta:

- Quinhentas orações divididas em cinqüenta dias mais três por cento de juros, já que vou começá-las, depois que terminar as outras. É pegar ou largar!

Retornou para perto do leito, onde o vereador Hipólito propunha uma votação para decidirem se deviam contar ao povo sobre o que estava acontecendo.

Apesar da maioria ser contra o plebiscito, acataram a idéia. Uma eleição sobre as medidas a serem tomadas para solucionar o problema, parecia ser o mais sensato, já que matar quem estava morto era o mesmo que fazer chover no molhado, argumento formulado por Jairo Quadrão, com sucesso.

O juiz não participou, ficou como fiscal. João Bento e o finado foram impedidos de votar. O morto porque era o chantagista e seu assessor, devido ao apoio incondicional à trama diabólica contra as instituições democráticas de Tupilândia. Assim, o escrutínio contou com dezessete eleitores: o prefeito, cinco secretários, nove vereadores, dona Candinha e seu Valfredo. Um pequeno vaso serviu como urna.

A primeira votação obteve o resultado de vinte a dois para os contrários à divulgação dos fatos. Após quase uma hora de reclamações do vereador Hipólito e do agente funerário, os votos vencidos, que alegavam a existência de eleitores fantasmas, foi realizado um segundo pleito.

Com o placar de dezenove contra dois, a proposta que proibia a menção da catástrofe que ameaçava a cidade, foi novamente vitoriosa. Houve novos protestos contra os eleitores fantasmas, mas os vencedores não deram bola.

- Essa tragédia é muito mais arrasadora do aqueles filmes, em que os extraterrestres ou uma grande inundação acabam com tudo. Imaginem se o povo sabe de uma coisa dessas? É o fim do mundo – profetizava o prefeito, contando com a concordância de todos, menos do vereador Hipólito e de seu Valfredo, que depois da segunda fraude, resolveram lavar as mãos.

- E eu, como é que fico? – questionou o morto.

- Fica como? – indagou o dirigente municipal.

- Eu quero os meus vinte por cento. Ou vocês se esqueceram de mim?

- Quem dera que nós pudéssemos esquecer dessa praga -comentava Leonel Celestino, enquanto que Jairo Quadrão pedia um tempo ao chantagista.

- Tempo uma ova. Ou me dão o que eu peço ou eu vou ali na janela e desmascaro todos vocês.

- Senhores, estamos num momento delicado da política local e porque não dizer da política nacional – discursou o vereador Luis Dirceu, do mesmo partido de Pedrinho Júnior. Ao ver com satisfação que conseguia o apoio total da platéia, prosseguiu:

- Chamo a atenção de vossas excelências, de que não é só a frente de partidos populares e democráticos que ora detém o poder municipal que está em perigo, mas a própria democracia tupilandense. É mister a união de todas as facções políticas, bem como sabermos a posição das forças armadas.

Suas palavras ovacionadas, como se fossem a conquista da Copa do Mundo, fizeram com que o juiz, cercado pelo grupo que desejava ouvir o diálogo histórico, ligasse para o posto da Polícia Militar, já que na cidade não havia quartel do Exército. Leonel Celestino foi informado pelo sargento de plantão, de que o tenente Gonçalves estava no casarão dos Barranca e que reinava a mais perfeita paz e harmonia entre a tropa, composta por seis soldados.

Vendo que sua explicação não acabara com a aflição do magistrado, o militar continuou:

- Além do mais doutor, eles estão tudo aí, ocupados em garantir a ordem do velório e do enterro. Nem têm tempo para pensar besteiras.

O chefe do judiciário agradeceu e desligou o telefone. Desta vez, quem ficou preocupado foi o sargento, que jurava ter ouvido a voz do falecido ao fundo. Mais tranqüilo, o juiz explicou a situação aos políticos e vendo que o grupo se mantinha coeso, arriscou:

- Só tem um jeito. É atrasar a cerimônia fúnebre e esperar que acabe a pilha dele. Um dia esse diabo vai ter que ir embora.

O plano trouxe uma ínfima calma aos chantageados, logo extinta pelas novas ameaças de Adamastor.

- Olha seu Leonel, para começar, eu posso esclarecer como foi que ocorreram aqueles dois atentados contra a sua pessoa e também revelar os motivos que o levaram a ficar lá nos trilhos do trem. Eu sempre suspeitei e agora, lá do outro lado, obtive a certeza absoluta.

O magistrado corou. Olhou para os parlamentares, que não escondiam a surpresa e a expectativa que a ameaça provocava e não agüentando tamanha pressão, tentou agredir o morto.

- Canalha, safado, corrupto... – foi contido por um vereador e pelo prefeito. Mesmo assim, continuou a esbravejar:

- Bandido! Cachorro! Eu já estou cheio de ser chantageado por uma alma penada ou sei lá como se chama isso. Sei lá também se essa praga realmente morreu. Esse dia só pode ser um pesadelo. Um pesadelo! – pôs-se a chorar sendo abraçado por Jairo Quadrão, enquanto que João Inocêncio corria para o santo.

- Pô Pitô, qual é a tua? Me fala o que eu preciso fazer para salvar a cidade? Te prometo mil orações, um carro de luxo para o padre visitar os pobres e ainda uma viagem a Cancún, aquela praia que está cheia de mulher de peito de fora, para o tarado do sacristão. Vê se agora, despacha esse desgraçado aí da cama lá para os quintos dos infernos.

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Paulo Antonio Branco
Enviado por Paulo Antonio Branco em 21/07/2011
Reeditado em 23/07/2011
Código do texto: T3110018
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