As luzes da cidade
Acontece todos os dias (noites) em Porto Velho, e, seguramente, em qualquer cidade Brasil afora.
Com uma necessidade irresistível de aparecer, o anônimo cidadão aproveita que está economizando com comida (pois já passa da hora de perder a barriga que mal lhe deixa ver a ponta da unha do dedão do pé ao tomar banho) e equipa seu carro zero km recém adquirido (em 60 suaves prestações mensais, sem entrada e "sem juros"... jura?!) com um potente amplificador de 5.000 watts e dois sub-woofers de 15 polegadas, miraculosamente instalados no minúsculo porta-malas de seu bólido 1.0 flex.
Aproveita para substituir as rodas originais por rodas de liga leve aro 20 e pneus esportivos de perfil baixíssimo, e rebaixa a suspensão, não sem antes alargar os para-lamas para que os pneus raspem o mínimo possível na lataria do carro.
Como se não bastasse, manda aplicar nos vidros película tipo insulfilm com 1% de transparência (ainda não fabricam a de 0%, pela qual ele mal pode esperar) e - a cereja do bolo - troca as lâmpadas originais dos faróis por lâmpadas de xenon com 1000 watts de potência, para as quais os faróis originais de seu carro não foram projetados. De quebra, instala dois belos faróis de neblina (em Porto Velho, neblina só se for na tevê ou no cinema), estes também com lâmpadas de xenon.
Todo orgulhoso de seu auto recém tunado, sai pela cidade ao cair da noite e segue pela avenida Sete de Setembro a 20 por hora, atrapalhando o trânsito e ofuscando (literalmente, em todos os sentidos) a vista de todos que por ali trafegam (motoristas, pedestres, cachorros, galinhas...).
Eis que para ao semáforo da esquina com a rua Campos Sales (em cima da faixa de pedestres que ali havia, mas que a chuva lavou há uns dois anos, pelo menos), estende o braço pra fora da janela e joga no meio da rua (esburacada e com esgoto escorrendo pela sarjeta) a latinha de cerveja que acabara de tomar enquando dirigia. Aproveita a janela aberta, faz de conta que alguém está ligando e leva ao ouvido o seu iphone geração "windows 7" com câmera fotográfica de 100 megapixels, GPS, bluetooth, cartão de memória de 2 terabites e antena embutida com capacidade para falar com alguém em Marte, aparato hi-end recém adquirido no Mercado Livre da bem pontuada empresa anônima "Do Cel ao Céu" (usou o Mercado Pago, pra não correr risco).
E o guarda de trânsito logo ali na esquina, em pé na calçada, saboreando uma deliciosa e transbordante cuia de tacacá previamente lavada com água do rio Madeira, faz que nem um certo ex-presidente fazia (dizem que ainda segue fazendo...), como nunca antes na história deste país: nada vê... nadica de nada.
E eu aqui, descascando batatas...