O Milagre de Nazaré
Era tarde de sete de setembro, o medo pairava no olhar de todos. Desde o início da cabanagem, que nenhum morador de todo aquele lugarejo vivia seguro. As notícias trazidas da capital eram aterrorizantes; contava-se que os sangrentos cabanos invadiam casas, violentavam senhoras e donzelas; saqueavam residências, comércios e todos os homens capturados eram acorrentados e jogados nos porões dos barcos para posteriormente serem sacrificados.
Assim como tantas outras famílias, a do Sr. Raimundo Maciel, temia a invasão cabana. Juntamente com sua esposa e os filhos, oravam todos os dias pela segurança de todos.
As tristes notícias se alastravam como epidemia; histórias terrorosas eram contadas de vilarejo em vilarejo e todos afirmavam que os temíveis cabanos seguiam rota rumo a Cametá, cidade onde se encontravam os líderes do movimento.
Na tarde de sete de setembro, Raimundo dirigiu-se ao seu pequeno casco juntamente com o filho Antônio e foi em direção à “boca do rio” onde costumava pescar. Enquanto isso em casa, sua mulher cuidava dos afazeres domésticos ajudada pelos demais filhos.
Pescava tranqüilo, quando escutou barulho de um casco que adentrava o rio apressadamente. Remando para a margem, aguardou. Quando avistou a canoa, conheceu o homem que remava ligeiramente. Era Manoel Lopes, um conhecido que morava no “furo” do rio.
Ao se aproximar de Raimundo, pôs-se a gritar:
- Fuja os cabanos tão chegando!
Assustado Raimundo indagou:
- Cabanos? Onde?
- Cabanos Raimundo, eles estão chegando ao nosso rio!
- Mas como isso aconteceu Manoel?
- Fujam, eles chegaram! Eles chegaram!
E desesperadamente remou rio adentro gritando.
Antônio, filho de Raimunda, encostou a canoa na beira do rio e saiu correndo em direção a sua casa. Lá chegando, anunciou a chegada dos cabanos. Tomado pelo medo, a mãe de Antônio, arrancou do pequeno santuário da sala, a imagem de N. Sra. De Nazaré, santa de devoção da família e correu mata adentro juntamente com os filhos. Lá certamente estariam seguros.
Antônio em total desespero decidiu voltar e procurar o pai que havia ficado. Seguiu sorrateiramente por entre as árvores, avistando o pai que remava desesperadamente. Ao Levantar o olho viu a grande canoa que trazia os temíveis cabanos. Eram muitos homens, todos armados, mal encarados; Alguns com a roupa coberta de sangue. Temendo ser capturado, o jovem subiu numa grande árvore e em sua “capa” se escondeu. E deste esconderijo viu o pai ser capturado.
Raimundo remava apressado rumo a sua casa, mas a pressa não lhe fora suficiente para escapar. Ao encostar na ponte de casa, fora surpreendido pelos sangrentos cabanos que imediatamente o amarraram e o levaram para a grande canoa. No convés, foi preso por uma corrente, juntamente com outros homens ali acorrentados.
A partir daquele momento, ele viveu momentos de terror e medo. Presenciou a invasão das demais casas daquele rio, a violência contra inocentes; viu pessoas serem mortas brutalmente e outras serem capturadas como se fossem animais.
Após a invasão, os cabanos seguiram rumo à cidade de Cametá. Eram quase seis da tarde quando Raimundo e os demais presos ouviram algo que lhes fizeram desesperar. Segundo a conversa de dois cabanos que faziam guarda dos capturados, eles seriam esquartejados e seus quartos seriam mandados para a capital e entregues na sede do governo.
Ao escutar tal atrocidade, Raimundo em total desespero pôs-se a rezar porque naquela situação somente um milagre para salva-lo.
Lembrou-se da família e da santa de sua devoção. Levantou os olhos em direção ao céu que se vestia de negro e com toda sua fé, murmurou:
- Deus misericordioso tende piedade de nós pobres homens! Perdoai estes homens fracos de alma e pobres de fé! Ajude-nos com vossa misericórdia!
Sibitamente formou-se no céu a imagem de uma santa. Sim, era a imagem da virgem de Nazaré, santa de devoção da família de Raimundo. Com os olhos banhados em lágrimas, aquele pobre homem clamou:
- Virgem de Nazaré, mãe dos indefesos, dos sofredores! Vós que sois pura e que perdeu seu filho para a maldade dos homens, socorrei-me neste momento de perigo. Sou sabedor de que não sou digna de vossa misericórdia, mas permita-me que lhe suplique a graça da minha salvação.
Se vós me conceder a libertação deste martírio é com toda a minha fé em Deus e em vós que faço um juramento, sendo seu servo fiel por toda a minha vida. E em agradecimento a dádiva da minha vida, lhe assegura que mandarei celebrar em sua honra e santidade uma ladainha, seguida de uma grande festa e contarei esta boa nova a todos os que encontrarem. E esta promessa passará de geração em geração até que não haja nenhum descendente da minha família!
Inesperadamente, o céu escureceu e as enormes correntes que o aprisionavam quebraram. Raimundo aguardou a distração dos cabanos e correu ligeiramente jogando-se no mar. Ao cair na água, mergulhou o mais profundo que pude nadando em direção á beira do rio. Naquele momento pareceu ter fôlego de peixe. Nas margens do rio escondeu-se por entre os mururés e os atoriazeiros.
Quando perceberam a fuga, os cabanos se puseram a atirar em direção ao mar. Insistentemente o procuraram, mas não o encontraram. Desistindo da busca, seguiram viagem.
Quando a canoa desapareceu, Raimundo saiu do esconderijo todo arranhado, ensangüentado e pôs-se a pedir socorro. Um morador ouvindo os gritos remou em direção àquele homem socorrendo-º
Raimundo pediu aquele senhor que o levasse de voltar ao seu lar. Chegando em sua casa encontrou a família e os amigos em total desespero. Todos pensavam que ele havia morrido. Afinal, fora capturado pelos temíveis cabanos.
O encontro com a família, seu retorno ao lar, que tão maravilhoso milagre!
Todos se perguntavam como era possível tal acontecimento. Foi então que Raimundo relatou o acontecido e cumprindo sua promessa à virgem de Nazaré, reuniu a família, convidou amigos, vizinhos e naquela mesma noite celebraram a ladainha que foi seguida de uma festa, onde todos comemoraram e agradeceram à vida e a fé.
E daquele dia em diante, todos os anos no dia 07 de setembro, Raimundo e seus familiares passaram a celebrar a festa em homenagem a nossa sra de Nazaré em agradecimento ao milagre da sua vida. E esta tradição passou de geração em geração e até hoje permanece viva para contar a história de um homem de fé e o milagre da virgem de Nazaré.
E aquela simples casa transformou-se num grande barraco batizado de Paraíso de Nazaré.