UM AMOR QUE NÃO ACABOU...

Sua vida era uma monotonia familiar. Era pai de um garoto de 16 anos; sua mulher já estava com idade amadurecida, e ele começou a sentir o tédio daquele relacionamento familiar. O tédio foi dominando-lhe a existência e aconteceu o afastamento gradual do relacionamento, por causa da rotina.

Mas ele, num certo dia, muniu-se de coragem, e olhando a mulher, agora com olhos especiais, disse-lhe:

- Lamento muito, mas eu desejo pedir o divórcio. Ela perguntou:

- Mas por que o divórcio?

- Porque eu já estou com um relacionamento novo. A nossa vida conjugal perdeu completamente o encanto...

Ela começou a chorar... Saiu da mesa num gesto brusco...

Ele se sentiu aliviado, precisava se divorciar porque estava interessado em outra mulher encantadora, conforme pensava.

No dia seguinte, ao voltar do trabalho, esperava encontrar a esposa para tratar do assunto, porém se surpreendeu ao ver a mulher na extensão da sala, numa escrivaninha, escrevendo celeremente, afinal ela não era nenhuma intelectual e não tinha o hábito de escrever, porém, como estava cansado, foi dormir.

Os dias foram passando e ela prosseguiu escrevendo...

No quinto dia ele lhe indaga:

- E então, qual é a sua resposta?

Ela estava muito abatida, mas disse-lhe:

- Eu desejo lhe pedir um mês de prazo. Apenas um mês. É a minha condição. Se você não aceitar, partiremos para o divórcio litigioso...

Ele reflexionou. Um mês, afinal, passa muito rapidamente, em especial quando a pessoa muda de opinião a respeito de outrem.

- Bem, eu gostaria que nesse mês, diariamente, quando nós saíssemos do quarto, você me carregasse até a sala de jantar. Lembre-se que quando nós nos casamos você carregou-me. Quero que você me carregue diariamente durante um mês, do quarto até a sala de jantar.

- Nosso filho estuda para entrar na Universidade, e eu não desejo que ele leve o desgosto de ver os seus pais separados. Como ele pensa que o nosso relacionamento é bom, eu gostaria que ele mantivesse essa idéia e não sofresse a orfandade de pai vivo. É só por um mês... Dentro desse período, ele terá terminado os seus exames, estará aprovado, e o que vier depois não lhe causara um impacto tão perturbador como antes das provas.

Então ele meditou e concordou, afinal de contas, já que não sentia nada, não lhe custava carregá-la. Ele era forte e ela uma mulher franzina.

No dia seguinte, quando despertaram, com certo constrangimento, ele ergue-se e ela de certo modo acomodou-se no seu colo. Saíram pelo corredor e encontraram o filho que aplaudiu aquela cena comovedora para ele.

Os dias sucederam-se. No décimo dia, quando a carregou, ele percebeu que ela tinha realmente um corpo leve, e ele sentiu qualquer coisa emocional, não saberia dizer o que. Bem, ele sentiu um pouco de ternura. Olhou-a de esguelha. Ela estava de olhos fechados. A cabeça encostada ao seu ombro. Ele então a estreitou um pouco mais de encontro ao peito.

No vigésimo dia, ela, antes de vestir-se, tirou do armário um traje que ele gostava muito e vestiu-o. Ele a observou disfarçadamente... Ela pegou um perfume de que ele gostava e colocou. Naquele momento em que se preparava para ser carregada ela perguntou:

- Você me permite que passe o braço pelo seu pescoço? Ele concordou. Ao erguê-la percebeu que ela estava mais leve e com o braço frio. Então o braço frio envolveu-lhe o pescoço e ele sentiu uma imensa onda de ternura. Aquele perfume recordava-o das núpcias, lua-de-mel; planos, e emocionou-se e estreitou-a mais, e também ela, ofegante, bem ofegante, abraçou-o.

No vigésimo quinto dia, ela estava muito pálida. É claro, era a emoção. E então, quando ele a carregou, o fez com júbilo. Não sabia dizer por quê. E naquele júbilo, levou-a com celeridade até a sala e até lhe disse:

- Quer que eu a leve até o lado de fora da porta de entrada como sempre fiz ao sair para o trabalho? Ela não respondeu. Tinha dificuldade respiratória. A emoção, as lágrimas responderam e ele levou-a a suavemente a depôs do lado de fora. Olhou para ela e partiu para o trabalho.

Mas, no vigésimo sétimo dia, faltavam apenas três dias para se ver livre e poder viver com sua parceira nova, uma onda de tristeza abateu-o e ele foi à casa da parceira, antes de voltar ao lar e disse-lhe de maneira quase brutal:

- Venho interromper nosso relacionamento. Acabo de descobrir que amo a minha mulher.

A outra esbravejou, disse até palavras chulas, e ele até pensou, com certo alívio, que não entrara numa fria, livrara-se a tempo... Ao voltar para casa, passou numa florista, comprou um buquê imenso de rosas vermelhas, coisa linda, escreveu um cartão e foi para casa.

Eram dezenove horas quando chegou a casa. O filho ainda não havia chegado. O silêncio era profundo. Havia uma suave claridade no quarto do casal, ele entrou pé ante pé. Ela estava deitada. Ele chegou-se, tocou-lhe o ombro e chamou-a docemente.

- Trouxe-lhe, como no passado, a dúzia de rosas com meu cartão de eterna fidelidade.

E puxou-lhe o ombro. Quando puxou o ombro, deu um grito. Ela estava morta e tinha na mão uma carta. Ele ficou aturdido, então se deu conta de quanto magra ela estava. Ele não havia percebido que o estado de cadaverização aumentara para culminar nesse momento fatal.

Pegou a carta, abriu-a, acendeu as luzes e percebeu que ela escrevera naqueles dias quando chagara em casa e a encontrara escrevendo:

- Perdoe-me por fazer você esperar mais um mês. Sucede que eu cheguei hoje do oncologista e o médico me disse que o câncer de colo de útero que eu tenho já se espalhou pelo organismo, numa metástase irreversível. Então, a pedir-lhe este mês, é porque o médico disse que eu teria no máximo entre vinte e vinte e oito dias, e eu não gostaria de morrer após o divórcio, para que você não ficasse com a culpa ou com a idéia de que o seu divórcio precipitou a minha morte. Então, eu lhe peço este prazo, porque nesse ínterim eu morrerei e deixarei você inteiramente livre, sem nenhum remorso, porque você encantou os últimos dias da minha vida...

Então, ele desatou a chorar copiosamente e depois viria a narrar sua história...

Repetidas vezes nos deparamos com a rotina, com a monotonia, e, em termos de relacionamento, necessário se faz muito tato, pois, do contrário, pode-se chorar amargamente e tarde demais...

Esta história aconteceu na cidade de Los Angeles-Califórnia-EUA.

PEDRO CAMPOS
Enviado por PEDRO CAMPOS em 18/07/2011
Reeditado em 17/05/2013
Código do texto: T3103327
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