O doce amanhecer de Altamira
O céu estava a escurecer e Altamira continuava pensativa, com suas carnes sabiamente descansadas sobre a cadeira de palha, as pernas fofas esparramadas para o lado e a cabeça caída para a direita. Por horas permanecera assim e durante outras mais continuaria. A lua já era um belo e enorme queijo a iluminar o pesado e inerte corpo da moça.
Naquele dia, o patrão dera folga a todos os funcionários. Também, pudera, feriado santo, um dia de descanso. E parece que a jovem levara essa ideia de “descanso” ao pé-da-letra.
Após três semanas de exaustivos trabalhos no escritório, protocolando documentos e despachando tantos mais, sem sábado muito menos domingo, um diazinho que fosse a fazer nada não seria desperdício de tempo. Havia mil lugares da casa para limpar, louça suja na pia, o pátio para varrer e um saudoso banho no seu cãozinho esperando, mas tudo isso poderia ficar para depois. Primeiro ela. O seu prazer.
Prazer que tinha em pequenas coisas: ficar quieta no mesmo canto por horas a fio, saborear o cheiro do ar que umedecia com a noite e esfriava, ouvir os carros passarem velozes pela rua ao longe.
Quase um dia naquela cadeira e nada da vontade de sair de lá, chegar.
Nessa mesma posição, Altamira adormeceu, a lua foi-se e o tempo passou. As horas correram e a escuridão deu lugar a uma aurora ainda mais fresca e úmida. Os pés estavam congelados, adormecidos pelo frio. O corpo tremia e nada de acordar-se. Era bom sonhar e nada mais terrível que despertar no meio de um sonho delicioso, que renova as energias e até estimula às atividades do novo dia.
Descansada e um tanto alegre, Altamira abriu os olhos vagarosamente, mexeu a cabeça, tocou-se e percebeu que tinha frio. Com um espreguiçar lento e volumoso, irrompeu em levantar o corpo seboso, coçar os olhos e balbuciar algo ininteligível.
Fim de feriado, término do descanso, reinício dos trabalhos, mais um pouco de cansaço a vir pela frente. Era isso mesmo, mais um dia chegara...