O Último Sol.
Andava lentamente pela avenida. Respirava fundo, acompanhava o som dos seus passos, absorvia a luz fraca do sol e cantarolava junto com o vento. Pessoas passavam por ela, todas muito apressadas. Crianças entregavam panfletos, engravatados corriam com suas pastas, velhinhas faziam feira, mulheres conversavam animadas ao telefone.
A incompreensão da vida sempre causara-lhe calafrios, a sensação de que algo estava errado, de que a qualquer momento uma bomba relógio explodiria e transformaria sua vida em caos. Passou anos nadando contra a maré, lutando contra o ponteiro do relógio, lutando contra o amor, lutando contra o tédio. Esqueceu-se de que a vida deveria ser vivida e não compreendida. Passou anos olhando-se no espelho e desaprovando as rugas, a cada dia mais aparentes; e as olheiras, a cada dia mais profundas. Cortou defeitos, tentou ser a mais simpática, a mais legal, a mais divertida. Tomou remédios para emagrecer, tentou ser igual a garotas de capa de revistas.
Não, ela não conseguiu. Após anos fracassando, finalmente percebeu que a vida era curta demais para ser compreendida. Finalmente percebeu que ser a mais simpática, a mais legal, a mais divertida e a mais bela, não significava que ela era a mais feliz. E assim, aceitou-se. Aceitou-se e sorriu. Sorriu para o mundo, e dessa forma, lentamente, enquanto suas lembranças eram esquecidas, seu corpo regredia e seus olhos escureciam, a vida começou a fazer sentido. Mas como já dissemos, os ponteiros do relógio não andam para trás.