O ENGRAXATE DE COPACABANA

Caminhar um pouco é sempre bom, faz bem às pernas, ao estômago e ao sistema nervoso; e andar pelo calçadão da Praia de Copacabana é então um verdadeiro prazer, contanto que o sol não seja aquele carrasco impiedoso das horas mais quentes do verão. Muita gente passeia, logo ao amanhecer ou à tardinha, ou mesmo à noite, por aquela notável calçada quilométrica, apreciando o mar imenso de um lado, a extensa fileira de imponentes prédios do lado oposto, além do tráfego de automóveis pela Avenida e o desfilar de belas mulheres entre a praia e o bairro propriamente dito. Sim, parece que não é apenas os banhistas que gostam de se expor, com seus corpos atléticos e bronzeados, mas também os transeuntes de todas as idades, com trajes leves e esportivos, querem ser notados em meio à multidão. Pois andar sem preocupações, só procurando algo com que encher os olhos, é terapia que virou moda, e no Rio não há lugar melhor que as praias da Zona Sul para essa prática indiscutivelmente saudável e de bom gosto.

Eu, depois que perdi o hábito de percorrer descalço, só de bermuda, as areias molhadas pelo mar, comecei também a usar o calçadão, pelo menos num certo trajeto, que ia da altura da Rua Figueiredo Magalhães à Rua Djalma Ulrich, pois era por ali que então eu estava morando, dividindo um quarto alugado com dois outros rapazes. Mas caminhar pela areia em trajes sumários era o que eu fazia apenas antes de arranjar um emprego sério no centro da cidade. Então depois, saindo às seis do escritório, tomava o ônibus e deixava-o ao atravessar o túnel de Copacabana, só pela satisfação de concluir o meu retorno a pé pela calçada da orla marítima.

Mas aquele emprego não durou muito, só alguns meses, como tantos outros que antes eu tivera. A verdade é que eu não conseguia manter-me por muito tempo num lugar ou numa ocupação, não sei se por falta de sorte ou devido a alguma inconstância de meu caráter. Naquela época nenhum trabalho me prendia e eu ia de uma coisa a outra, insatisfeito, sempre procurando algo diferente que me garantisse a complicada sobrevivência.

Mas enfim, eu estava novamente desempregado e, vendo-me assim naquela situação tão incômoda, o único recurso era deixar o comodismo de lado e ir à procura de outro trabalho qualquer.

E num sábado ao cair da tarde, julgando ter tido uma boa ideia, tratei de caprichar na aparência, preparando-me para sair. Meu colega de quarto, percebendo que algo pairava no ar, atinou com a coisa e perguntou-me se meu novo caso era uma loura ou uma morena.

- Nada disso, disse-lhe eu. Estou a fim de trabalho. Vou até o Leme, para falar com um camarada, velho conhecido e amigo.

Era um amigo de tempos mais remotos, que eu não via há cerca de um ano. Mas sabia que ele estava bem situado no mercado de trabalho, e considerei que talvez pudesse me ajudar, arranjando-me um bom emprego.

Fui ao Leme, guiando-me pelo calçadão da Avenida Atlântica, desta vez no sentido contrário àquele ao qual eu estava acostumado. Não tinha pressa; havia telefonado, horas antes, a meu amigo, o Mário, e combinamos nos encontrar em seu apartamento ao anoitecer daquele sábado. Predominava ainda a luz do sol, embora o astro ia já declinando no horizonte.

Fui andando devagar, pensando em minha situação e qual deveria ser meu desempenho para resolvê-la da melhor maneira possível. Mário fora meu colega na Faculdade. Após termos concluído nossos cursos, ele logo conseguiu um bom emprego e prosperou. Eu, porém, não tive tal sorte. Talvez a maior diferença entre nós é que ele sabia como lidar com as pessoas. Isso ele mesmo dizia nos tempos acadêmicos, e parecia às vezes até ler os pensamentos alheios. Se esse dom foi o que o ajudou na vida prática, não sei, mas o fato é que ele tinha participação de peso na grande empresa em que atuava. Tinha inclusive marcada influência na contratação de novo pessoal, e eu sabia que ele era meio duro a esse respeito, exigia que o candidato tivesse no mínimo um ano de carteira assinada, o que comprovaria uma certa estabilidade no emprego. E eu não tinha tal requisito, minha carteira profissional só registrava até então empregos esporádicos, de poucos meses. Daí o meu temor de que ele não se disporia a arranjar-me uma colocação, por mais humilde que fosse, em sua empresa. Mas eu precisava tentar, pois atraía-me muito a ideia de um emprego fixo e duradouro.

Fui andando. No meio de meu trajeto, um engraxate que vinha no sentido oposto abordou-me perguntando se eu queria dar um lustre aos sapatos. Sem pensar muito para decidir, assenti, considerando que a aparência era fundamental naquela ocasião. Sentei-me no banco da calçada, coloquei o pé sobre o banquinho do garoto e deixei-o fazer o serviço. Sobre a outra perna eu segurava uma pequena bolsa com meus pertences, algum dinheiro e meus documentos, entre eles a carteira de trabalho.

Começava a anoitecer e já a praia ia se esvaziando. Os banhistas, jovens em sua maioria, voltavam com suas bolas, toalhas, pranchas e guarda-sóis, pensando certamente no banho que logo tomariam debaixo do chuveiro de casa. Por ora, estavam fartos de praia, mas no dia seguinte, domingo, estariam de volta às mesmas areias, que sempre têm sido a paixão daquela gente descontraída.

Então prestei mais atenção ao menino que engraxava meus sapatos. Teria ele uns treze anos, era mulato, magro e ágil com as mãos. No momento, mantinha-se calado e inteiramente concentrado no serviço que executava. Julguei-o pela aparência. Provavelmente morava no subúrbio, talvez em alguma favela, dando duro para ganhar algum dinheiro e levá-lo para casa, à família necessitada. Não deixei assim de sentir uma certa admiração por ele, já que tantos de sua idade e condição não passam de verdadeiros pivetes, que se aproveitam da menor desatenção dos transeuntes para furtar-lhes carteiras e relógios. Sim, dei-me satisfeito por este, que era diferente e trabalhador, um exemplo a ser seguido por muitos que desejam prosperar pelo próprio esforço.

Olhei para o outro lado, o da Avenida. Tráfego intenso, como sempre, inclusive de pedestres pela calçada. Gente que corre, que passeia com seus cachorros, que param para abastecer-se de sanduíches e refrigerantes nessas carrocinhas, que faturam alto. Tivesse eu também uma, não hesitaria em dedicar-me a esse trabalho, fácil e prazeroso. Era o que eu pensava no momento.

De repente, um susto e um sobressalto. O garoto à minha frente arrancou-me a bolsa e com ela saiu correndo em disparada em direção à praia. Gritei, tentei correr atrás, mas logo vi que não o alcançaria. Ele tomou a direção do Arpoador e, pela areia, sumiu rapidamente. Esperto como um pivete, o malandro roubara-me a bolsa, com tudo o que ela continha, deixando-me em verdadeiro desespero.

Que fazer? Precisava agir rápido, tomar logo uma providência. Peguei a caixa do engraxate e tive a ideia de levá-la à delegacia mais próxima para dar queixa. Ali estavam as impressões digitais do moleque feitas a graxa preta. Com mais a descrição que eu daria do rapazinho, os policiais logo o encontrariam. Mas esse pensamento não durou muito, parei e fiquei em dúvida: valeria a pena? Talvez eu estaria fazendo um papel ridículo, de verdadeiro otário. Que droga, enquanto as pessoas iam e vinham pela calçada, indiferentes, fiquei eu ali parado, com a caixa de engraxate na mão, sem saber o que fazer...

Egon Werner
Enviado por Egon Werner em 15/07/2011
Código do texto: T3097097
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