So I guess this is goodbye.

Continuo andando, as trilhas do parque revelam uma natureza escondida na cidade que poucos conseguem apreciar, confesso que eu odeio essa correria sem fim de carros, pessoas, sentimentos e vontades, parece que só a tristeza e a decepção é que andam com passos leves, sem pressa, e permanecem ao nosso lado por um tempo maior do que o desejado.

Um macaco atravessa a trilha lá do alto pulando de galho em galho e, enquanto observo, ele me observa de volta com um pequeno pedaço de fruta entre as mãos, come curioso e olha fixamente pra mim, não sei por que mas me sinto constrangida com tal situação, continuo minha trilha. Flores lindas e coloridas nascem perto do caminho que escolhi, o perfume é inebriante e por momentos me perco pensando em muitas coisas, na vida num sentido amplo. As flores vermelhas me fazem relembrar de amores passados, de dia dos namorados, de aniversário da mãe aonde eu ia até o jardim e lhe trazia rosas lindas como presente. As amarelas me lembram amizades passadas, conversas gostosas, e um aniversário meu aonde alguns amigos compraram um buquê de rosas amarelas pra me dar... Eu era feliz e não sabia. Flores rosas, roxas, azuis... Cada uma traz uma nova emoção à tona, um novo pensamento. Observei as rosas por minutos e não vi o macaco me seguindo lá de cima, creio que ele o fazia desde o momento em que nossos olhares se cruzaram lá atrás, só fui perceber sua presença quando ele pulou num galho baixo perto de mim, nos olhamos novamente, seus pequenos olhos castanhos queriam me dizer alguma coisa mas eu não sabia decifrar o seu enigma. Ele pula mais pra dentro da mata e me olha, como se dissesse "Vem comigo!", eu não sabia se podia afinal é mata fora da trilha, é desconhecido. Ele continua a me olhar e, muito nervoso, solta um grito estridente como se perdesse a paciência. Resolvo segui-lo, galhos baixos se enroscam no meu casaco mas continuo, nossos olhos em contato constante enquanto ele vai pulando de galho em galho de um modo leve e natural enquanto me vê arfando com dificuldade lá embaixo. Se eu fosse ele chegaria a rir da situação. Minutos depois ele para num tronco cortado no meio de uma pequena clareira, me olha pedindo que eu me aproxime e, enquanto caminho em sua direção, ele não demonstra espanto e nem medo, me espera calmamente observando cada passo meu. Quando chego onde ele está lhe dou uma fruta em agradecimento, sinto que ele está sorrindo, mesmo sem conseguir distinguir isso claramente em suas feições, sorrio de volta pra ele, o laço está feito. Próximo ao tal tronco uma flor negra capta minha atenção, ela se enrosca no tronco de uma árvore já morta, como se a prendesse firmemente ao seu corpo numa tortura delicada, vejo o macaco saltar até a flor e me olhar com olhos tristes, quando chego perto vejo que ao lado do tronco morto jaz o corpo de uma macaquinha sem vida, sua feição é suave como se estivesse dormindo, era sua companheira. Tal imagem me faz recordar que dias atrás meu avô veio a falecer e eu não tive a chance de lhe dizer adeus ou comentar o quanto ele foi importante na minha vida e marcou a minha infância para todo sempre, quando percebo, eu também me encontro com olhos tristes, ali naquela clareira animal e humano sentem emoções idênticas, a dor de um adeus, o fim de um capítulo, a saudade de um ente querido. Enquanto choro vejo que o macaquinho traz algo nas mãos, uma concha, e bate com ela no chão macio ao lado do corpo, entendo claramente seu recado. Começo a cavar com a concha um buraco fundo o suficiente para sua amada descansar em paz, com uma manta que carrego sempre comigo eu enrolo seu corpo pequeno e a boto deitada ali, corro até a trilha e lhe trago flores de todas as cores, todas as emoções possíveis, cubro seu corpo e deixo-as logo ao lado, pedras negras se encontram perto da árvore morta, com elas faço um pequeno monte em cima do novo túmulo de modo que seu companheiro ache facilmente seu local de descanso. Lágrimas continuam a cair do meu rosto e me corpo sente um cansaço extremo, mas não é de esforço físico, é a mente cansada e triste, pela macaquinha inocente que se foi e pelo meu avô sorridente de olhos azuis que hoje já não pode mais me pegar no colo e me dar doces escondidos da vovó, me entrego ao desespero e choro, choro sem parar, solto soluços e frases desconexas tendo companhia meu amigo florestal que agora acaricia as flores coloridas com suas pequenas mãos, como se compartilhasse da minha dor e juntos estivéssemos nos despedindo carinhosamente dos que se foram e nos deixaram sozinhos aqui. Lembro que carrego uma foto do vovô na carteira, pego-a e coloco-a perto das pedras negras, o macaco parece não se importar, pelo contrário, pega a foto com dedos ágeis, faz um buraco mal feito com as mãos e a bota ali, como se fizesse por mim o que fiz por ele, está botando vovô pra descansar também, é um adeus.

Vou me recompondo aos poucos, me levanto e limpo toda a folhagem da minha roupa, observo novamente a negra flor que tortura o tronco já morto, é a representação perfeita do fim de um ciclo, e a cena é bela apesar de tudo. O macaco salta para a árvore mais longe, como se me levasse de volta ao meu caminho, sigo-o novamente até chegar à trilha em que estava antes, quando olho pra trás nossos olhos se cruzam uma última vez e, mesmo no silêncio daquele momento, conseguimos dizer coisas lindas, conseguimos finalmente ter paz e fechar mais um capítulo desse livro da vida. Nos despedimos em silêncio e voltamos cada um ao seu caminho. Meia hora depois saio da trilha com um sorriso nos lábios, o vento bagunça os meus cabelos e sinto um pouco de frio, procuro pela manta na bolsa mas me lembro que agora ela acaricia outro corpo, melhor assim... Há certa altura na vida aonde é preciso se desfazer de certas coisas, um momento aonde você precisa deixar partir o que prendia com tanto afinco dentro do peito porque a vida continua. Como diria Cazuza: "O tempo não pára.".

Lorrayne T
Enviado por Lorrayne T em 13/07/2011
Código do texto: T3091851
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