Uma Lágrima Sinfônica
O relógio ainda não dera seis horas e o menino já estava acordado. No quarto, costumavam dormir o garoto com a sua mãe, seus dois irmãos menores e a irmã mais velha. A casa era pequena, precisavam ficar todos juntos. O ressonar dos que dormiam, naquele momento, chegava aos seus ouvidos.
Deitado, ele olhava as telhas da casa. A claridade do sol se tornara mais intensa agora e o canto dos pássaros enchia-lhe o coração de amor pela vida.
Era um dia diferente para o garoto. Era o seu aniversário. Talvez por isso acordara tão cedo e percebesse sentimentos fortes em seu coração.
Após algum tempo, o menino se encontrava na janela de sua casa. A janela que gostava de ficar e perder-se em suas cogitações. Naquele momento, ele se perguntava porque ninguém lembrara do seu aniversário. A mãe saíra para o trabalho como fazia todos os dias. Os irmãos foram para a escola e a irmã mais velha estava na cozinha, nos afazeres domésticos.
Em seus pensamentos, o garoto recordava que, há alguns meses, chorara vendo um arco-íris que se formava no céu. Chorara, também, ao viajar por mundos fabulosos presentes em seu livro. As lágrimas cristalizavam a sua visão de águia, que as outras crianças não possuíam.
E naquela manhã, presenciou, como todos os dias, a passagem do carro mais bonito da cidade. Mais uma vez, o motorista levaria os filhos do prefeito para a escola, na cidade vizinha. Uma escola somente para os ricos.
Nesse momento, ele lembra que já sentira a vontade de ser o homem-aranha e de construir um castelo de teias e levar toda a sua família para nele morar, num mundo diferente e fantástico, onde vivessem a realidade de um conto de fadas.
Lembra-se, também, de um grupo de joaninhas que encontrara, certo dia, próximas a uma árvore, tão parecidas e amigas umas com as outras. E se perguntara por que os homens não são tão parecidos com aqueles besourinhos e nem companheiros entre si.
Naquela janela, sozinho, o garoto era uma águia, alcançando o que há de mais longínquo. Era seu aniversário e ninguém lembrara. Nunca tivera um aniversário, por mais simples que fosse.
Uma noite, passara com a irmã em frente à casa do Senhor Lucena, o dono do Mercantil da praça, e havia muitas crianças lá. Era o aniversário do seu filho mais velho. Ele, no entanto, nunca tivera aniversário e nunca fora convidado a participar de algum.
A irmã o chama para o café. Este chamado sempre o desperta de suas reflexões. E mais uma vez tomou o café com as duas bolachas compradas na padaria do Seu Gomes. Bolachas sem gosto e sem sal. À sua frente, por alguns instantes, veio-lhe à lembrança um bolo de aniversário e muitos amigos a lhe cantarem os parabéns, mas logo a imagem se dissipou. Sua família nunca pudera viver esses momentos e nem ao menos ninguém lembrara daquela data tão especial para ele.
À tarde, na escola, foi também semelhante. A professora não o convidou para ir à frente. Não lhe cantaram parabéns. Eram muitas crianças, mas, ele se sentia sozinho. E sozinho voltou para casa.
No caminho, sentou-se à sombra de frondosa árvore. Passavam várias pessoas na rua, e o menino pedia a Deus um presente: que o transformasse no Batmam, para ganhar a companhia do Robin.
Na raiz daquela árvore, olhou para um galho acima de sua cabeça e percebeu um pássaro que cantava. Então, uma melodia suave lhe chegou aos ouvidos. Numa sinfonia que parecia lhe cantar parabéns pra você.
Sem ele perceber, seus olhos ficaram pesados de repente. E naquele fim de tarde, uma lágrima lhe caiu dos olhos. Uma lágrima que não refletiu o pássaro na árvore, mas que trazia em si toda a magia deste parabéns pra você. Único presente que recebera neste dia.