MILAGROSAMENTE EM BUSCA DA VIDA

Eu sei que há anos ela sobe a mesma rua tão íngreme quanto lhes foram os muitos dos passos da sua história.

Muitas das árvores e das pedras ali sedimentadas já se foram despercebidamente , levadas pela erosão que todo tempo nos traz.

Fazia algum tempo que eu não a via, tempo mais que suficiente para perceber que ela já tenta não se render a ele.

Amparada numa bengala canadense, ela vinha subindo, subindo, ofegantemente subindo entre as suas tantas dores de sempre, tocada por mais algumas, meio sem enxergar o caminho porque contava que a sua lente intraocular recém colocada se negou a continuar enxergando o mundo.

Por alguns segundos tive a impressão de que subia com tanto esforço que parecia mirar para alcançar o céu.

Ela vinha sozinha e encapotada, pálida e acuada, sob o frio da manhã que descia pela colina, a procurar por algum lugar na agenda do serviço de saúde.

Algo bem de longe eu só consegui ouvi-la dizendo:" Obrigada , volto outro dia".

Meio desequilibrada, apalpou o nada do seu entorno e sozinha achou o seu inseparável apoio de mão.

Assim, logo iniciou sua descida pela pirambeira a passos tão lentos que pareciam não querer chegar.

Então, lá embaixo se perdeu na névoa que encobre todos os descasos do tempo.

(Cena verídica)