Quem é Você?
Nua. Refletida no espelho do banheiro, a imagem encena a elasticidade da pele sacrificada no tempo. Olhos opacos, ausentes de vida, são encapados pelo peso das pálpebras. O contorno desigual na altura da cintura condena a gravidez adolescente, choramingada no tesão irresponsável.
O levantar dos braços impulsiona os seios em inércia, lembrando o tempo em que esbanjavam firmeza. Amassados na derme branca, aceitam a derrota etária sem esperança. Nesse momento, considera-se fugitiva do caos siliconado que consolou as poucas amigas, mesmo que a atitude a tenha distanciado do circo ilusório que freqüentava.
As bochechas escorregadas massacram a identidades facial, desfigurada pelos vincos profundos ao redor dos lábios murchos. Recorda-se dos mapas hidrográficos, repetidos nas provas ginasiais, ao alisar as varizes roxas nas pernas. Infinitas linhas sem-rumo, emaranhadas no desistente tecido flácido.
Lembra-se da marca das unhas cravadas nas costas do ex-marido, no dia em que a abandonou. Assemelhavam-se aos riscos paralelos das estrias, pálidas nos traços alvos e raivosas nos feixes avermelhados. Assistira em renomado programa televisivo que as vermelhas poderiam ser tratadas, mas desprezava as promessas. Para ela, somente abririam terreno para o próximo avanço vascular.
Algumas pintas negras, nunca antes percebidas, desenham caminhos aleatórios perto do ombro. Parecem querer fugir da pele envelhecida, formada pelas camadas adiposas sobrepostas. O revoltado movimento das mãos, fruto do lapso eufórico, arremessa alguns perfumes contra a pia, confundindo os odores e suas épocas.
- Mãe!!! Que barulho foi esse???
O choro espontâneo, de boca aberta, implora ao tempo a aceitação à dor. As mãos apoiadas na parede amparam a fragilidade desconcertante. Soluçante, nota o apático reflexo repetir seu drama teatral.
- Mãe!!! Abre essa porta!!! Está tudo bem???
Condenada ao temor realista, refletido na frieza estática do espelho, arremessa o secador contra sua cópia. Cada caco, descolado da parede, subtrai parte da ilusão ao tocar no chão. Disposta a aceitar a lentidão dos próximos anos, satisfaz-se com o esvanecimento aflitivo. Abraça os próprios joelhos, enxuga o rosto com a palma da mão e admite:
- ... que azar.