A Pomba

Antes a preocupação era se teria pipoca o suficiente no chão. Aquelas palomitas vinham com o gosto de criança feliz e aquilo era o cotidiano da pomba. O ritmo das cabecinhas vazias bicando a parente remota, branquinha e salgadinha, fazia parte do parque. Um dia, a pomba se quedou manca, a coitada. Não se lembrava como tinha ficado daquele jeito e talvez isso a ajudava a não sentir rancor. Algumas pessoas desconfiavam do porquê da pomba estar agachada. Alguns paravam, outros a assustavam e ela manteve a dignidade dos que sabem que vão morrer. Olhava para o sol, para seus semelhantes, e com isso o tempo passou. A noite foi caindo e a pomba quis dar seu último esforço. Se levantou, deu dois passos e se agachou novamente. Foi nesse compasso que alcançou uma marca de dez metros. Durante sua tragetória até o calvário, uma pomba sã abriu uma das asas e acolheu a enferma. Ainda assim a pomba continuou a dar seus passos, mas estava mais feliz. Afinal, não morreria no chão, sozinha. De dia, a gari varreu aquele corpo rígido e que já não olhava para mais nada.