FESCENINO CURTO

FESCENINO CURTO

Daquino Porto

Talvez com o subconsciente influenciado pelos textos poéticos, eruditos e muito originais por só conter minúsculas, publicados no facebook por um meu amigo serôdio professor universitário de uma discreta instituição do ensino dito superior, começo a acariciar o lombo do gato que a amiga sentada ao meu lado no sofá da sala tem ao colo. O gato não agradece e o cão aos pés dela também não me liga nenhuma. A minha amiga sim: deixa de fitar o gato e vira a cabeça para o meu lado. Aproveito para dar um piparote na ponta da orelha do gato que salta para longe mas fica a olhar-me, interrogativo; ele sabe que devidamente tratado não se distingue do coelho à caçador e pergunta-me desconfiado se eu gosto desse manjar. Não gosto mas não lhe respondo. O cão mantém-se inerte. A minha amiga afasta os joelhos para aumentar o tamanho do regaço, e que regaço, para me poder albergar a mim em substituição do gato cobardolas. A empatia por bichinhos leva-me a passar a acariciar ao de leve a passarinha da minha amiga que começa a chorar; as lágrimas humedeceram-me os dedos (as da passarinha não da amiga). O cão levantou a cabeça e começou a arfar com a língua de fora. Dou-lhe uma calcadela valente no rabo para ele perceber que quero que vá fazer sugestões gestuais à mãe que o teve; ele vai e desaparece a protestar.

Acordo; confirmo que não tenho cão nem gato e a minha amiga já lá não está. Nem o meu interesse por ela nem …mas isso não interessa. Pego no livro de Zbigniew Pietrasiansky, “The psychology of the efficient thinking” para ver se percebo finalmente o que é a inteligência e a que velocidade a minha se está a esvair. Dois parágrafos depois as pálpebras pesam-me toneladas.

A minha amiga voltou. Através da transparência da saia vejo que não traz cuecas. Tem-nas na mão, amachucadas até ao tamanho de um maço de cigarros vazio e mete-as na carteira a tiracolo enquanto se dirige ao sofá … O resto só posso contar amanhã.