Como se você soubesse do que estou falando

Talvez eu só precisa-se de um remédio, mas eu era durão o suficiente para formular minhas próprias leis e reger minha vida de forma única e sobre as doenças eis o que decidi:

— Qualquer doença tem uma capacidade incrível de se proliferar caso você pense insessantemente nela, por consequência, não pensar na doença e deixa-lá em paz é o melhor e único antídoto.

Enquanto eu tive apenas resfriados e dores de cabeça essa teoria funcionava perfeitamente, após alguns anos tive de abandoná-la, ainda penso em reformular e aproveitar seu conteúdo. Mais um dia na cama e sem vontade de fazer nada, não me lembro nem a última vez que fui ao banheiro, talvez aquele balde de roupa suja não contenha apenas roupas. A dor de cabeça era uma das coisas que eu nunca reclamei, pois eu sempre me sentia com sono e quando acordava ela havia passado, mas dessa vez havia piorado muito desde a ultima vez que reclamei da dor de cabeça que não parara de doer…

Adormeci.

Percebi que meus pés estavam muito quentes e que havia uma gritaria monstruosa próximo a mim, chamavam-me com um sussurar em coro quase uniforme:

— Spellfim, Spellfim…..

A voz principal do coro balbuceou tão próximo ao meu ouvido que eu quase a imaginei babando na mina orelha:

— Talvez sua magia tenha chegado ao fim.

Eu simplesmente não acreditei que aquela merda de piadinha da pré-escola estava sendo feita a um cara de 20 anos. Por mais que eu me esforça-se eu não conseguia ver nada, primeiramente pensei em algum rito satânico pós apocalíptico, o que fazia sentido afinal não sou muito religioso, outrora imaginei que Deus não seria tão sádico a ponto de deixar eu agonizar daquela forma, ele acenderia a luz pela misericórdia de que tanto é conhecido.

Tentei falar.

Falhei.

Falei:

— Quem são vocês ?

Pensei.

O coro continuava chegando cada vez mais próximo do clímax, a voz principal chegara de novo bem próximo a mim e dessa vez eu repudiei com todas as minhas forças aquela baba quente, grudenta e úmida escorrendo pela lateral do meu rosto, ao invés de rezar pela minha alma eu pedia para que aquela coisa não tocasse minha boca, não falou nada, apenas respirava próximo a mim.

Queria chorar, mas não me deram essa oportunidade, imaginei que assim deveria ser o castigo dos infiéis, daqueles que tiveram tantas oportunidades para crer na palavra divina que nesse momento não parecia nem um pouco cheia de controversas e muito menos fantasiosa, era tudo muito claro e ainda mais claro era o fato de que eu havia me ferrado. Lembrei do Henry, aquele maldito carola gay deveria estar agora com seus 72 virgens sarados nos jardins suspensos do Céu e curtindo de montão toda a sua grandiosa baitolagem. Ao menos estava feliz.

Senti novamente a exaltação no ar, agora o coro já estava alucinante, minhas memórias do show do Metallica me permitiam associar perfeitamente aquela sensação de euforia que na ocasião me levou ao bate cabeça e consequentemente ao hospital, ao que estava se passando ao meu redor.

Pensei:

—- Seja o que for estar para acabar.

Ainda não, muito cedo para comemorar, todos gritavam em coro meu nome e se aproximavam com uma rapidez monstruosa, me imaginei no centro do coliseu em Roma com casa cheia, fiquei perplexo, pois com certeza nenhum jogo da Liga Italiana levaria mais público do que o ato da minha morte psicológica naquele momento. Derrepente era como se todo o publico corresse em minha direção, escutei uma barulho seco, uma batida rispida, talvez os portões que separavam a multidão do prato principal houvesse sido aberto.

E lá vinham eles, eu estremeci da cabeça aos pés em meio aquela sensação de impotência, eu nunca consegui imaginar como era ser comido vivo, mas agora eu sonho e rezo para que eu perca a consciência assim que esse show de horror começar. A multidão chegou e tocavam em mim, eu não conseguia chorar ou gritar, eis que surge novamente aquele hálito inconfundível próximo aos meus ouvidos, quente, agonizante e aquilo escorreu sobre mim novamente e dessa vez seguido por um grande grito :

— SPELLFIM !

Sabia que não resitiria. Perdi a consciência.

Recordei a consciência.

— Para de frescura e sai dessa cama que você não tem empregada aqui. Leva pelo menos o cachorro pra passear, coitado tá o dia todo aqui trancado. Aproveita e leva o lixo.

Abri um sorriso imenso, peguei o Cocker e sai correndo sem colera e tudo, esqueci do lixo, voltei até a cozinha e disse:

— Mãe, quero comprar um remédio pra dor de cabeça, qual que funciona?

Cocker latiu.

E a dor sumiu.

Bartuka
Enviado por Bartuka em 02/07/2011
Reeditado em 17/11/2012
Código do texto: T3071482
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