WISKY, GINGER ALE , JAZZ

Ele estava com muita pressa, justamente naquela tarde não dispunha de muito tempo. O sol estava escaldante naquelas ruas do centro. Desabrochou um pouco a gravata para algo aliviar-se daquela sensação de calor. Caminhou algumas quadras e finalmente encontrou a galeria que estava procurando. Desceu uma escadaria de três voltas e se submergiu naquele subterrâneo. Por aquele corredor, repleto de lojas e escritórios cujos fins eram questionáveis ou pelo menos duvidosos, via-se tudo muito escuro e mal arrumado.

Chegou frente a um Bar. Abriu a porta, que seguia ordinariamente quebrada e suja fazia mais de cinco dias, e foi logo se sentando numa mesinha da mesma forma como tinha feito nas últimas semanas. Nem se lembrava em que momento chegou até aquele Bar, detalhe ínfimo para a importância daquele momento. De qualquer jeito, o dono deveria agradecer-lhe pela fidelidade porque nunca havia mais de uma dúzia de engravatados sentados pelas mesas daquele pequeníssimo e pitoresco recinto.

A única garçonete, uma jovenzinha de cabelo amarrado vestida com um avental negro parecido aos de chef de restaurantes chineses, foi logo trazendo o seu pedido. Ele sempre chegava exatamente à mesma hora, sentava-se no mesmo lugar e pedia a mesma bebida: whisky de uma marca dos mais encorpados, misturado com ginger ale e gelo. Seu ritual consistia em dar cinco voltas nas pedras de gelo com seus dedos antes de começar a saboreá-lo. Já na quinta volta do gelo, tomou um gole e imediatamente desviou seu olhar para o pequeno palco.

Já era hora daquela deslumbrante mulher aparecer. E assim aconteceu. O único que fez foi fechar os olhos para que a intensidade do brilho daquela feminina imagem não ferisse sua córnea.

Desirré estava mais linda que outros dias. Usava um vestido verde musgo ajustado, ressaltando suas perfeitas curvas e quadris. Na boca, a sensualidade da cor carmim: um convite ao pecado e ao desejo. Ela tomou suavemente o microfone e fez um pequeno sinal com as mãos aos seus músicos para que começassem com a apresentação.

Ao juntar-se um piano, uma bateria, um contrabaixo, um sax, um trompete e uma voz, doce e calma como a leveza do voo do condor, somente poderíamos escutar a mais linda melodia jazzística. Ele seguia de olhos fechados, bebericando seu destilado, permitindo que aquela música lhe penetrasse pelas veias ao mesmo ritmo e velocidade do whisky.

Quando a música terminou, ele abriu seus olhos e tomou coragem para aproximar-se de Desirré. Ela o olhou com seus olhos de quem tinha as respostas prontas. Estava acostumada com o assédio de alguns homens. Era comum que clientes se aproximassem entregando-lhes flores, presentes, caixas de bombons e até bilhetes com endereços de luxuosos motéis da cidade. Mas ele somente lhe passou um cartão e lhe disse:

- Quando puder, ligue-me.

Desirré tomou o cartão e viu como ele saiu apressadamente do local.

Olhando ao redor não pôde segurar uma lágrima. Estava sozinha no palco, não havia ninguém para abraçá-la e contê-la naquele momento de felicidade. Desligou o teclado e guardou o cartão no bolso de sua calça jeans. No cartão dizia: “PRODUTOR MUSICAL”.

Nota: Você quer saber o que foi que ele escutou naquele bar? Ouça a belíssima voz de Sara Gazarek, na música I'm Old Fashioned.

Millarray
Enviado por Millarray em 01/07/2011
Reeditado em 01/07/2011
Código do texto: T3068811
Classificação de conteúdo: seguro