A ÚLTIMA GEADA

Os quatro corpos tentavam se aquecer um ao outro. Estavam todos embaixo de um cobertor de lã de carneiro feito às pressas e também dois pedaços de couro de boi. Ali embaixo, o imenso frio não conseguia atravessar, mas se alguém ousasse sair dali, em poucos segundos os corpos ficariam congelados.

A casa estava toda em meio ao gelo, onde se formava por toda região um deserto de gelo. Para qualquer lado dos quatro pontos cardeais o que se via eram infindáveis montanhas brancas e árvores congeladas.

Já havia dez dias que não parava de gear e o rajadas de vento entravam pelas frestas da casa trazendo o insuportável frio.

Só havia aquela família naquele local. Era uma fazenda. Os outros moradores tinham ido para a cidade. Aquelas pessoas estavam a mais de setenta quilômetros de distância de qualquer ser humano, isto se houvesse alguém vivo àquela altura.

No segundo dia da catástrofe um veículo do governo passara retirando todas as pessoas para levar a um lugar seguro e quente, mas a família não quis ir com medo de perder as riquezas. O homem tinha acabado de vender gados e realizado colheita de milho, e estava com todo o dinheiro guardado na casa. Havia também os carneiros, as ovelhas e os porcos. Sua fazenda era muito grande e produtiva. Todos os empregados tinham seguido para a cidade, permanecendo ali apenas a família Pereira, pois o fazendeiro imaginara que dentro de uns dois ou três dias aquela tragédia iria acabar.

Os alimentos que haviam guardado em sua casa ainda eram consumidos quando o forno microondas ou fogão a gás funcionavam. Mas, havia três dias que não tinha mais energia elétrica, pois os rios que faziam as usinas produzir energia haviam congelado. O fogão a gás não tinha calor suficiente para descongelar os alimentos. Ainda aproveitavam a água colocando pedaços de gelo na boca e ficavam chupando.

As crianças do senhor José Pereira tinham seis e dez anos, respectivamente. O filho mais novo já estava perdendo a consciência, tamanho o frio e, o de dez anos ainda mantinha-se acordado e consciente, mas reclamava incessantemente do frio, fome e do incômodo.

Senhor José Pereira estava muito triste e para ele a vida já estava perdendo completamente o sentido. De que adiantaria ficar vivo ali em meio àquele acontecimento nefasto? De que adiantaria ficar ali só respirando, tentando se esquentar, sem ter o que comer, sem poder tomar banho, sem poder viver?

Ele ficava pensando, ainda conseguia, pois o seu cérebro não estava todo congelado, como as coisas puderam mudar de quinze dias atrás até àquela hora.

Em sua mente vinha flashs do momento que estava no meio do cafezal, capinando. Os pássaros cantando sob a copa das árvores. Os bois mugindo, as galinhas cacarejando. No rio, os peixes saltavam na água, se divertindo. Ele passeava a cavalo pela sua fazenda e admirava a vida saltitando de alegria. Os seus empregados trabalhando na colheita de milho, enviando bezerros novos para os compradores. As crianças chegando da escola e a tarde indo brincar pelos pomares da fazenda, chupar ameixas ou brincar de pesca nos lagos.

Ficava ali naquele frio abaixo de cinqüenta graus negativos sonhando com as coisas do passado. A única coisa que dava vontade de fazer era pensar, pois ainda estava vivo. Até de olhar o gelo lá fora queimava a vista pelo frio incondicional.

A camada de gelo estava a mais de dez metros de altura. Sua casa era de dois andares, mas o gelo estava quase a cobrindo.

O Senhor Pereira torcia em preces silenciosas para aquela situação terminar o mais urgente possível. Queria ver a vida novamente. Queria viver a vida novamente. Se voltasse a viver iria aproveitá-la mais e melhor. Iria degustar cada momento que a vida tem a oferecer. Iria cuidar e agradecer a natureza a cada segundo, venerá-la, fazê-la sua deusa. Pois agora ele sabia que sem a natureza nenhum ser humano pode viver.

Lágrimas saiam dos seus olhos quando pensava que não havia contribuído com a natureza. Seu rosto ficava com uma fina camada de gelos de lágrimas congelado ao pensar que ajudou a destruir a paisagem nas redondezas. Agora ela se vingava. Impiedosa. Não podia pedir pra ela resolver a situação, já que estava em dívida com ela.

Então se conscientizou que a única atitude que lhe restava era ficar amontoado com sua família embaixo das peles dos animais esperando a situação acabar. Sabia que logo acabaria, para um, ou para outro.

Antonio Fabiano Pereira
Enviado por Antonio Fabiano Pereira em 28/06/2011
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