Cadeira... Dos horrores?

O dia nasceu parecendo como outros tantos, ensolarado, uma leve brisa para refrescar sua face alva. Entretanto algo na atmosfera deste dia estava diferente, algo soturno. Ah, sim, lembrou-se. Era dia de ir ao dentista.

O tempo transcorreu nervoso, os minutos consumindo cada segundo com voracidade afoita. Parecia que o universo tempo-espaço conspirava para que o momento de tortura aproximasse suas paredes quase asfixiantes à sua volta.

Chegou a hora fatídica. A sala de espera era pequena, apertada, ar abafado. Revistas do ano anterior, com assuntos já passados, desinteressantes o suficiente para que sua tensão não fosse desviada. Os assuntos velhos, conhecidos, faziam reviver as penas do passado, faziam lembrar a última visita a este consultório; tudo conspirava para sua agonia.

Ao ouvir seu nome levantou-se com um sobressalto, retirado de seus devaneios atrozes. Ao assomar à porta, avistou-a meio reclinada, com um tom de azul claro como céu de verão, no seu entorno, equipamentos de formas variadas, que passavam-lhe pelos olhos sem serem completamente vistos, qual borrões: A cadeira do dentista.

Os cumprimentos do profissional e sua secretária eram respondidos com monossílabos, enquanto era conduzido e sentava-se naquele instrumento que por certo poderia ter tido muita utilidade entre inquisidores. As palavras gentis ouvidas eram carregadas de ameaças veladas, enquanto era-lhe colocado um babadouro. Ao ser reclinado um pouco mais e sentir a aproximação do profissional, seu destino estava traçado. Não sabia o que tinha de confessar, mas o faria de bom grado para que o tratamento não se iniciasse.

Então o algodão com xilocaína mostrou que não tinha mais volta. Com a aproximação da seringa, sentiu que uma gota de suor começava a formar-se em sua testa – como pode ainda não terem inventado um instrumento que não fosse tão invasivo à sua integridade física? Sentiu uma pequena pressão na gengiva. Os dedos das mãos agarravam-se ferrenhamente à cadeira e as pernas estavam com cada músculo retesado como se estivesse prestes a lutar pela vida. Enquanto ouvia zunidos e sentia a manipulação dentro de sua boca, começou a sentir-se à beira da exaustão, começou a relaxar e dar-se conta do que acontecia ao seu redor.

Os zunidos vinham de ultrassons, pequenas escovas rotativas, jatos d'água e o sugador. Havia uma música tocando baixinha, agradável; alguém teria ligado durante o tratamento ou não havia sido percebida quando adentrou à sala? Soltou as mãos da cadeira e entrecruzou-as sobre o abdômen. Desfez a tensão do pescoço e deixou-se ser conduzido pelo especialista.

Em poucos minutos, foi-lhe entregue um copinho com um líquido de gosto aprazível para enxaguar a boca, enquanto a cadeira era levantada, retirado o babadouro e dadas instruções de escovação, fio dental e anti-séptico bucal. Recomendou sua volta em seis meses enquanto se despediam numa camaradagem de velhos amigos.

Ao passar pela ante-sala do consultório, viu uma revista de turismo mostrando belos lugares a serem visitados. Não a viu quando chegou; será que não estava ali? Saiu deixando a música para trás, tentando lembrar o caminho por onde viera. Tudo parecia diferente. Por que tinha aquele sentimento ao vir para o dentista se o tratamento todo era indolor? Poderia aquele sentimento ser passado pelos genes de seus antepassados? O importante era que os tratamentos dentários dos dias atuais, em nada assemelham-se aos do passado. Que dia agradável, pensou, enquanto notava quanta gente bonita passava, irradiando felicidade à sua volta.

G J Knuth
Enviado por G J Knuth em 25/06/2011
Reeditado em 16/07/2011
Código do texto: T3056393
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.