O bruxo do cursinho
Eduardo Nagler era um simples professor de Português e eu um professor de História. Nos conhecemos há alguns anos em um cursinho. Logo eu viria descobrir que ele não era apenas um simples professor de Português.
Eduardo me confessou uma vez que escrevia muito. Certa vez me trouxe seus escritos. Eu esperava algo bem parnasiano vindo daquele moço já calvo e que se vestia de maneira a lembrar um físico inglês. Que nada! Ele me trouxe uns cinco contos e quatro poemas. Todos incríveis!
Sei que não sou um crítico especializado e coisa e tal, mas acredito que tenho uma idéia do que é talento em se tratando de escrever. Na minha cabeça, o cara que escreve bem é aquele que consegue ser claro sem ser muito didático e ser pontual sem ser muito específico. Esse cara consegue realmente se expressar. Ele se faz entender e faz você entender qualquer coisa que ele escrever, seja ficção ou realidade.
Nagler era desse jeito. Tudo o que eu encontrei naqueles contos era crível, era palpável. Em certo momento me senti sendo o protagonista: ao fim de uma frase as mesma conclusões qele chegou eu também chegaria. Isso me arrepiou. Nunca tinha tido tal sensação lendo algo.
E nos poemas ele conseguia fazer as palavras terem gosto. Eu podia imaginar o que era uma "porção de trevas claras" ou uma "dose de arrependimento agridoce" . As palavras me pareciam tão saborosas. Finalmente podia entender o que significava poesia.
Cheguei á seguinte conclusão: Nagler era um bruxo, um vidente, coisa parecida. Não haveria outra explicação para sua tremenda capacidade de pensar como as outras pessoas. Só se ele mesmo penetrasse no cérebro delas por alguns instantes. Mas não era só isso. Ele arranjava as palavras como se fosse uma poção mágica.
Eu disse isso e ele riu. Disse que tudo vem da sua intuição. Não é possível, eu não acreditava. Isso na minha terra se chama talento. Acho que foi o que eu disse. Ele riu de novo. E de vez em quando me trazia novos textos.
Com o tempo nos distanciamos. Eu passei a ficar pouco tempo nesse cursinho, até abandoná-lo completamente há uns dois anos. Mesmo assim falei com ele uma vez, entre uma correção de prova e outra. Aconselhei á criar um blog e colocar seus textos lá. Ele fez como sempre faz: riu.
Mas considerou minha proposta. Outro dia procurei no Google "Eduardo Nagler" e achei um blog chamado "Confessionário". Estavam lá os mesmos contos e poemas que li e alguns novos. Fiquei pensando: daqui há alguns anos é bem possível que o nome dele seja colocado ao lado de outro bruxo, o do Cosme Velho...