O menino - e o medo -
O menino caminhava pela calçada, pisando firme na própria sombra. Dos lábios unidos, com a ajuda do vento, um desafinado assovio percorria as ruas vazias do Bairro Velho. Nas costas, trazia uma mochila jeans, surrada e manchada com a tinta colorida que escorrera dos pincéis mal lavados que levava dentro.
Debaixo do braço, enrolada, sua mais nova obra prima: a tela que fizera para a mãe.
Perto dali, um sabiá cantava repetidamente sua triste canção e chamou a atenção do menino. E logo o assovio trazia algo da canção do pássaro.
Debaixo da sombra do florido Ypê o menino parou para esperar que o sinal se tornasse verde para atravessar a avenida central, que naquele dia também parecia abandonada como as demais ruas.
Seus pés calçados com chinelos de borracha logo alcançaram as calçadas de pedra do outro lado. O sabiá ficava para trás, aliviado com o fim da interrupção que sofrera.
Em frente ao portão verde de sua casa, o menino parou e pegou a tela que trazia. Abriu-a e olhou bem, para certificar de que estava realmente bom. Sorriu.
Enrolou novamente o papel e abriu o pequeno ferrolho.
Atravessou o jardim, coçou o cachorro e deixou seus chinelos na porta de casa. Sua mãe gostava assim..
A casa estava estranhamente quieta, e o menino sentiu uma onda de pânico atravessar seu corpo quando não sentiu o típico cheiro da fumaça do cigarro do pai por perto.
Jogou a mochila no sofá da sala e correu para o quarto da mãe. Abriu a porta após dar três toquezinhos com o nó dos dedos, muito de leve como a mãe preferia. Abriu a porta.
A cama estava feita, as janelas abertas deixavam que a leve brisa dominical adentrasse o recinto trazendo o cheiro da primavera consigo. Lágrimas brotaram dos olhos do menino, que as limpou com o dorso da mão esquerda.
Olhou, acanhado, no banheiro do quarto e voltou para perto da porta.
Mais lágrimas vieram, dessa vez acompanhadas por um soluço que não conseguia evitar. O menino sentou-se na cama da mãe e cobriu o rosto com as mãos, mas não conseguiu evitar que algumas lágrimas caíssem no papel que havia posto em seu colo.
O medo que sentia era algo tão devastador que o menino achou que fosse sufocar. Sua mãe fora embora, sem se despedir. Nunca mais voltaria...
Quando as pessoas chegaram em casa, algumas horas mais tarde, encontraram o menino deitado na cama da mãe, com as pernas encolhidas, abraçado a um tubo de cartolina branca.
O pai logo se aproximou do menino e acariciou seus cabelos, sorrindo:
_ Não chora filho... Você se atrasou, eu disse que sua mãe iria bem de manhã.
Uma nova onda de desespero tomou conta dele, esmagando seu coração fazendo-o irromper num choro sofrido e irracional.
Até que adormeceu na cama da mãe...
Quando o menino acordou sentiu um delicado afago em seus cabelos. Abriu os olhos e sorriu em seguida.
_ Pensei que não fosse voltar...
A mãe não respondeu, apenas sorriu de volta e se pôs a cantarolar a canção de ninar que ouvira na infância quando sua própria mãe cuidava de afastar os seus medos.