A HISTÓRIA DE UMA ESCOLHA

Hoje me lembrei de algo que aconteceu há muito tempo numa comunidade do Rio de Janeiro. Uma história sem holofotes, porém algo que precisa ser lembrado como a história de uma escolha. Estou falando de Paulo César, então um rapaz com seus dezoito anos. Filho numero três de dona Eugenia e de seu Carlinhos, morto quando Paulinho ainda era um feto. A vida era dura na comunidade. Não havia saneamento básico, as ruas eram de barro e as casas só tinham água quando chovia, fora disso só seguindo a procissão até a Fábrica de gesso onde o dono, seu Jurandir, doava o liquido para manter a política de boa vizinhança.

Se nos dias de hoje, o poder publico é tímido em relação as comunidades, você imagina quando as mesmas eram tratadas como favelas? Bem, é claro que a bandidagem dominava a região, e neste caso o "dono do pedaço" era um tal de Bode Velho.

Paulinho era um "neguinho" esperto. Jogava futebol como ninguém e se destacava pela inteligência. Mesmo sem o menor estimulo, conseguiu conciliar a escola e as várias atividades, já que a fome cismava de bater na porta de dona Eugenia. E numa realidade tão dura, a venda de drogas era uma alternativa para a garotada. Não foi diferente na família de Paulinho. O irmão mais velho, Valdir, se aventurou no convite de Bode Velho. Ganhou status e algum dinheiro. Porém foi morto numa batida policial, assim como vários outros jovens da localidade.

Um dia, Paulinho se dirigia ao ponto de ônibus com destino a escola.Quando de repente, Valentinho, um dos capangas de Bode, se aproximou e disse:

- E aí Paulinho. Beleza? Olha aí cara, o Bode quer falar com você! Ele disse que te espera no Bar do Maluco.

Paulinho sabia que um convite do "cara" tinha que ser atendido na hora. Partiu para o local. Ao chegar foi saudado pelo "homem" que foi logo falando:

- Aí cara. Tô precisando de um cara para trabalhar comigo. E como seu irmão era do contexto, optei por você!

Paulinho tomou um susto. Na verdade sabia que um convite de Bode era uma convocação. Timidamente respondeu:

- Pô cara, minha mãe ainda chora a morte do meu irmão. Me dá um tempo para pensar.

Bode olhou com frieza e acenou com a cabeça. Paulinho acenou com uma das mãos e saiu do bar.

Sua mente estava confusa. Apesar de nunca ter pensado na possibilidade de ingressar no tráfico, a verdade é que ser um soldado de Bode teria o tão difícil sustento de sua família. Estava cansado de "contar milho" e de ter que se humilhar para conseguir o dinheiro para os remédios da mãe. Por outro lado: e a escola? Era um projeto de vida! Porém, o tão sonhado diploma não representaria nada para um "neguinho de favela" e tinha medo de ver sua mãe morrer e de não ter feito nada por ela. Pelo menos o irmão tentou.

Neste turbilhão de pensamentos, Paulinho foi para escola. Ao chegar, foi surpreendido com um cartaz que possibilitava o ingresso num curso de formação de pilotos do ar. Porém era exigido alguns requisitos como nota escolar e referencias por parte da diretora da Instituição de Ensino. Mesmo confuso, resolveu se inscrever,

O tempo passou. A vida continuava. Paulinho seguia sua vida. Pensava no convite, mas da inscrição não. De vez em quando encontrava com Bode, mas se esquivava. Até que um dia, recebeu a visita de Valentinho. Evitou a conversa na sua casa. Saiu até a rua e ouviu:

- Olha aí cara, o Bode quer sua resposta hoje! É que ele recebeu uma informação que a policia vai entrar na comunidade e não tem rolo.

Paulinho passou as mãos no rosto. Olhou em direção a sua casa e viu a mãe de pé na porta. O que fazer? De súbito, lembrou de uma frase que ouvira quando ainda era uma criancinha na Escola Dominical da Igrejinha do Pastor Almeida: "Ao homem que teme ao SENHOR, ele o instruirá no caminho que deve escolher" (Sl 25.15). Teve a impressão de rever a cena: "Tia" Jurema ensinando algo sobre escolhas. Sentiu um "aperto" no coração. Olhou mais uma vez para a dona Eugenia que o olhava. Voltou para Valentinho e respondeu:

- Não! Diz pra ele que eu não quero!

Valentinho olhou assustado e insistiu:

- Pensa bem cara, você sabe que ele vai fazer...

- Não quero! - Confirmou encerrando a conversa.

Quando entrou em casa, viu a mãe de joelhos chorando. Abraçou-a e decidiram naquele dia "visitar" um parente em outra região.

Dias depois, ainda na casa do Tio, recebeu a noticia sobre o tiroteio na favela, da morte de Bode Velho e de vários comparsas. Esperaram mais um tempo até voltarem para a comunidade.

Ao chegar, foi procurado por Zequinha da associação de moradores.

- Diga Paulinho, tudo bem?

- Legal.

- Rapaz o "couro comeu" por aqui. A policia fez "a limpa".

- Fique sabendo!

- Foi "brabo"., mas agora parece que as coisas estão bem. Olha aí cara, chegou esta carta pra você - Disse estendendo um impresso. Paulinho pegou o envelope e aí lembrou da tal inscrição. Surpreso abriu a carta e leu na parte superior da folha timbrada: Aprovado com louvor.

Hoje o Paulinho é o Piloto Paulo Cesar, casado com a Vânia e pai do Lucas.

Espero voltar a contar outras histórias assim, onde a escolha seja para a vida.

Até a próxima.