ALMOÇO EM FAMÍLIA
(Continuação de CLIENTE ESPECIAL)
Pronta, maquiada, com a bolsa e a chave do carro na mão, a doutora Beatris chegou à porta do quarto do filho e, colocando a mão no portal, sem entrar, disse:
- Karol, meu filho, nós vamos chegar atrasados. O que é que está faltando para você ficar pronto?
- É essa camisa. Não estou gostando dela. Manga comprida... Para quê, camisa de manga comprida quando se vai comer churrasco?
- Hoje nós não vamos à churrascaria. Vamos almoçar com uns amigos e eu quero que você cause boa impressão.
- Mas eu não gosto dessa roupa assim...
- Vamos logo rapaz. Deixe de ser manhoso. Um homem na sua idade precisa estar sempre bem vestido.
- Cadê papai?
- Já foi com seus irmãos do segundo andar.
- E Luiz?
- Também já foi com Bernadete e levaram Benjamim, se é isso que você queria saber. Só restam Bento, você e eu. Vamos de uma vez!
- Quando eu mandar em mim, não uso mais camisa de manga comprida de jeito nenhum.
- Mas agora, sou eu quem manda em você e vamos logo antes que eu perca a paciência.
Sentado no bando de trás, Karol nem prestou atenção quando chegaram à casa espaçosa, plantada no meio de canteiros floridos. Já estavam todos lá e eles foram recebidos pelo casal que parecia ser o dono da casa. O homem vestido de preto, com o colarinho de plástico dos sacerdotes, era o tio Thomas, que abraçou Karol, dizendo a frase que ele mais detestava ouvir.
- Como você cresceu garotão! Venha comigo conhecer meus filhos, irmãos dos seus irmãos.
Dizendo isso, o pastor luterano Thomas Wolfgang Strasser pegou Karol pela mão e entrou na sala, onde seus irmãos Bartolomeu, Benício, Bento e Bernadete carregando Benjamim, estavam conversando, em alemão, com o seu odiado colega de classe, o bichinha do cabelo louro quase pelo ombro.
Foi com um misto de surpresa e espanto quando, ao se olharem, os dois disseram ao mesmo tempo – Você!
Todos riram muito.
Karol foi apresentado a Frida, atual esposa do tio Thomas, e a Helga, uma menina linda, loura com os olhos azuis como de boneca.
A "tia" Frida e os filhos estavam usando os trajes típicos da região do Tirol, local onde haviam nascido.
Passado o mal estar inicial, por conta da surpresa, Thomas e Helga chamaram Karol para ver as carpas coloridas de vermelho e dourado que enfeitavam o tanque que, começava com uma cascata, dava voltas pelo meio dos canteiros e era cortado por diversas pontes de concreto, imitando troncos de arvores.
- Eu não gosto de falar alemão. Dói a garganta. (segredou Thomas a Karol, quando saíram da sala).
- Eu também não gosto de falar. Lá em casa quando os meus irmãos, quer dizer seus irmãos, não, nossos irmãos estão conversando com mamãe eu fico calado.
Eles pensam que é porque eu não sei, mas estou entendendo tudo, principalmente quando estão falando em mim.
Helga disse: - Nós vamos morar numa cidade onde só se fala alemão. Eu acho que nós vamos nos divertir muito, porque só meu irmão e eu sabemos português, aí podemos fazer gozação com todo mundo sem ninguém entender nadica de nada.
- Eu acho que vai ser muito ruim. Disse Thomas com desencanto na voz.
- Lá é tudo muito diferente, a língua, o povo, os costumes, os doces... Eu acho que vai ser muito bom. Disse Helga que tinha uma visão diferente do irmão.
- E quando vocês quiserem passar férias no Brasil, pode ser lá em casa que tem seus irmãos...
- Eu nunca podia imaginar que tivesse tantos irmãos. Papai só disse uma vez que já tinha sido casado com uma brasileira e mostrou as fotos antigas, com dois casais e várias crianças, mas eu nunca decorei os nomes.
- Seu pai é muito grande (observou Helga). Ele quase não passa na porta. (risos).
A "tia" Frida saiu do meio das folhagens e disse com forte sotaque:
- Venham crianças, o almoço está serviço.
Havia um tom de mal estar na voz daquela jovem senhora, que devia ser pelo menos vinte anos mais nova que o marido.
O desconforto de receber em casa para almoço e de uma só vez, a ex-mulher, quatro filhos, o genro que ele vira nascer e um neto, era dose cavalar para quem poucas vezes havia tomado conhecimento da vida do marido anterior ao casamento, cujos acertos haviam sido feitos pelos seus pais e avós.
Todos eles, sacerdotes luteranos que achavam, e deviam estar certos, que casamento bom é aquele arranjado e determinado pelos mais velhos da família.
Ela filha única, criada numa família de comportamento ortodoxo, cuja educação formal se fizera internada em colégio religioso, jamais poderia verbalizar o desconforto que lhe causava aquele encontro.
Felizmente todos falavam a sua língua, porque estaria além das suas forças, aguentar tudo aquilo e ainda falar o português insipiente, aprendido na colônia onde vivera em quase todo período de Brasil. Língua dificílima de construir frases, com palavras de sons impronunciáveis para não nativos, vocabulário que tende ao infinito por conta das palavras que significam várias coisas e várias coisas que podem ser definidas com palavras muito diferentes.
Por tudo isso, Frida permaneceu calada a maior parte do tempo em que as conversas giraram em assuntos de antes e durante o primeiro casamento do marido.
Sobre a mesa coberta com toalha quadriculada de vermelho, preto e amarelo, fumegavam travessas contendo joelho de porco, marreco assado, salsichas cozidas, chucrute de repolho verde e roxo, couve de Bruxelas, batata cozida e saladas verdes. Noutra mesa, torta de chocolate, torta de maçã, pão preto, queijo fundido, muitas frutas e várias garrafas de vinho.
Deram-se as mãos e entoaram um cântico de agradecimento a deus, sentaram-se e Frida serviu os pratos para cada um, começando pelo do marido.
Depois do almoço, foram todos para o jardim e Beatris convidou Frida para passearem, enquanto conversavam sobre os seus filhos, que agora eram colegas de classe.
Esse novo assunto, despertou interesse imediato e Frida levantou do banco em que estavam sentadas. Cambaleou, sentou outra vez, muito pálida e com expressão de dor.
- O que você está sentindo? Inquiriu a médica.
- Dor. Muita dor na barriga. E colocando a mão no baixo ventre, desmaiou.
(Continua em SAÚDE PRECÁRIA)